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A mostrar mensagens de dezembro, 2010

Frutas e Bestas

Gostavas de sair pela madrugada, com os primeiros. Desde que fosse para as ruas de uma capital, de uma metrópole. Corria-te nas veias tudo o que começa por “metro-“. Indistinta na multidão era como gostavas de te sentir. Gostavas que outros te procurassem e não te encontrassem logo, até ao desespero de um telefonema (- Onde estás? Não te vejo. De que lado da rua estás? Perto de quê? [pergunta de retórica: tu nunca estavas perto de nada]). O que não sabias era que alguns outros – não creio ter sido o único – há muito te tinham identificado e apenas queriam prolongar este momento ímpar de ti à distância. Conversar contigo era mergulhar num quebra-cabeças. Era encontrar não um sentido, mas possíveis explicações. Ter a certeza de ser ouvido e aproveitado. Andavas à procura de respostas. Não muitas: duas. 1. Por que motivo uma fruta que ontem te parecia suculenta, te parece hoje mirrada e amarga? 2. Por que motivo se passa tão rapidamente de bestial a besta? Gostavas de explicar que, embora

Parole, Parole

Sobre-vivo delas, à unidade, ao quilómetro. Enchem-me as linhas e a existência. Sorvo-as dos livros apontados ou intuídos, das legendas do meu cinema. Traço-as, desenho-as, digito-as à velocidade e ao ritmo da minha sede. Gosto de as ver, de penetrar nelas com o olhar, de as distinguir e arrumar, de as alinhar… Teria razão Bernardo Soares? Só estão completas quando ouvidas? Das palavras ouvidas, começo a só gostar das que emanam de uma pauta, ditadas que são por outra melodia… As outras, as ditas, proferidas, anunciadas, não deixam rasto à flor da pele, não têm palavra. São cruéis e mentirosas, voláteis e curtas. Não vinculam. Não respeitam. Gosto, cada vez mais, das sussurradas, dos mantras, das silenciosas. Das que se amontoam no papel, no monitor ou as que saltam no ecrã da tv. Gosto dessa materialidade, de poder tocá-las, desmanchá-las. As outras, como se diz, voam com o vento, com a expiração do expelidor. Não se dão. Não têm palavra.

C'est bizarre

C’est bizarre, sinto-me anestesiada, amorfa, sem saltos, sem erupções. Já nem o cansaço me toma; quero estimulantes sem cafeína, tarefas com horas de início e de fim. Já nem me ocupa a ocupação dos outros ocupados. Já nem me ofende a ofensa dos outros ofendidos e ofensores que nunca ofendem. Pratico o arrefecimento, o distanciamento, a análise silenciosa, a margem de segurança. Pratico o lado direito da coluna, a coluna da direita, o direito à coluna. Deixei de me sentenciar, de me marcar tpc, de me prender às trilogias. Deixei? Passei a compreender as luas, os tons, a falta de acentuação, os silêncios e as intervenções fora do tempo. Deixei. Já não me interpela a efabulação alheia, a ilogicidade. Let it be. Agrada-me esta lua de mel comigo, com o meu friso cronológico, com os Outros. C’est vraiment bizarre.

O Tabuleiro

- Acho uma perda de tempo ficar horas a fio a olhar para um tabuleiro... - Então, não sabes jogar xadrez? - Não... Deveria? - Então... Vamos falar do tempo: "Ai, já está tanto frio, o Inverno chegou mesmo em força, já nem apetece sair de casa, não gosto nada deste horário de Inverno, quem dera o Verão, as sandálias, as mangas curtas..." - Costumávamos ter conversas interessantes... - Então, sugere um tema. - Isso não funciona assim, Palmira. - Então, vamos falar da crise: quais são as tuas soluções para a crise? - Não tenho soluções para a crise. - Não? - Não. Mas também não ando a lamentar-me pelos cantos. - Então, vamos falar de quê? - Costumávamos ter conversas interessantes... Ensinas-me a jogar xadrez? - Ah! - "Ah" o quê? - Xeque-mate!