Urgências

Não me lembro de qualquer detalhe do percurso até ao hospital. Da mensagem recebida até entrar nas urgências, tudo se apagou.
Não me deixaram entrar.
Comecei por deambular na sala de espera. Li várias vezes todos os cartazes afixados: o da triagem de Manchester, o do apoio à vítima de violência doméstica, os deveres e direitos do acompanhante. Sobretudo esta última parte...
As mensagens que fui trocando contigo não me apaziguavam. Só ficaria tranquila quando te visse, te tocasse e depois de ouvir 530 vezes da tua boca que estavas bem.
Resolvi fazer as minhas orações. Sentei-me por momentos e fechei os olhos. Comecei por pedir-Lhe desculpa por só me lembrar Dele nestas ocasiões. Depois, disse-Lhe o que eu não queria que te acontecesse. Devo ter tido uns 10 minutos de abstração, até começar a tomar consciência do que se passava à minha volta.
As cenas, quase surreais, sucederam-se. A da mulher, amparada por dois homens, que se sentou ao meu lado – qual pontaria! – e que não parava de gritar “Ai que morreu para salvar a vida ao pai! Coitadinho do meu cunhado!” Trouxeram-lhe um copo de água com açúcar. Continuou a gritar. Algumas pessoas aproximavam-se e tentavam consola-la, dizendo algumas palavras de circunstância. Continuou a gritar. Sem saber muito bem porquê e sem abrir a boca, abracei-a e afaguei-lhe o cabelo; acabou por se acalmar e foi levada do local.
O que dizer também da cena do homem ensanguentado, sentado numa maca e algemado? Vinha escoltado por um paramédico do INEM e 2 GNR, estava muito exaltado e dizia: “Liguem para a minha mãe e digam-lhe que matei um homem! Que disparei num homem! E que os papéis da arma estão na primeira gaveta da minha mesa de cabeceira. Ela que os traga cá!”
Estava a sufocar. Tinha de te ver. Plantei-me à porta do acesso restrito. Devo ter estado 2 horas na mesma posição. O meu aspeto não devia ser dos melhores. A cada vez que abria a porta, o Segurança olhava para mim com pena. Numa dessas vezes, disse-me: “Porque não se senta?” Ao que lhe respondi: “Ele está numa maca, ao fundo do corredor. Consegue vê-lo?” Abanou a cabeça.
Partilhei todos os teus sintomas: náuseas, vertigens, fraqueza. Até isso partilhamos!...
Apareceste à porta, pálido e com o saco de soro na mão. Disseste ao Segurança que eu devia estar quase a morrer de preocupação do outro lado. Estavas certo.
Abracei-te, apalpei-te. O meu tormento acabou ali e nesse instante.



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