Longas Viagens de Carro sem Portagens



Sou hospedeira de bordo. Sou hospedeira de bordo por paixão. Ainda pertenço àquela geração à qual foi permitido seguir sonhos de infância e concretizá-los.

Sempre soube que não teria raízes, que dificilmente constituiria uma família e que os meus armários estariam sempre “quase vazios”. A minha família e os meus amigos vestem a mesma farda. Tive alguns namorados em alguns (aero)portos. Nada de sério. Não seria duradouro. Mas fui feliz.

Passei a fasquia dos 40 e as vontades começaram a mudar. Comecei a importar-me. Comecei a querer ter um lar e alguém à minha espera, alguém de quem cuidar. Comecei a querer ter uma estante com filmes, uma biblioteca com livros e uma garrafeira com vinho alentejano. Alguém a quem contar o meu dia, alguém de quem ouvir o relato do seu, a quem dar palpites. Alguém com quem passear de mão dada, alguém a quem contar os cabelos brancos e com quem fazer longas viagens de carro sem portagens.

Logo no primeiro encontro, percebi que eras tu. Estava nervosa, derrubei uma garrafa de água, logo eu, sempre tão segura de mim, tão dona de tudo. Pouco a pouco, encontro após encontro, percebi que a minha língua (a que falo e a que utilizo para falar) não precisava de tradução. Percebias-me tudo: a semântica e as hesitações do corpo.

Plena. Hoje regressei a casa tão plena por te saber à minha espera! Por saber que tenho alguém de quem cuidar, com quem constituir uma estante com filmes, uma biblioteca com livros, uma garrafeira com vinho alentejano, alguém a quem contar o meu dia, de quem ouvir o relato do seu, a quem dar palpites, com quem passear de mão dada, a quem contar os cabelos brancos, com quem fazer longas viagens de carro sem portagens.

Sabes que mais? Não viajo mais. Só se for longas viagens de carro sem portagens. Vou encher o nosso armário e as estantes e a garrafeira. E a minha vida e a minha casa. Vou encher-me de ti, alimentar-me da tua voz tranquila, das tuas piadas pueris e deliciosas, do teu olhar meigo, da paixão que tens pelas coisas simples, pelos filmes, pela música.

E vou partir contigo. Numa longa viagem de carro sem portagens.

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