O Véu e os Cabelos



Eras brilhante! Boa aluna, tranquila, culta, falavas pouco, mas sem hesitações; parecias não ter dúvidas sobre coisa nenhuma. Todas nós te envejávamos secretamente.

Parecias não ter (não tinhas) aquelas questões existenciais que nos tolhiam os intervalos das aulas e os serões: se as nossas paixões avassaladoras eram correspondidas, como íamos mandar a próxima mensagem subliminar ao alvo das nossas insónias, que roupa iríamos vestir no sarau da escola, como íamos convencer os nossos pais a deixar-nos sair no próximo sábado à noite, se devíamos optar por unhas de gel ou acrílicas…

Sabíamos-te de uma cultura e credo diferentes, mas não entendíamos (nem queríamos entender) os meandros da diferença. Aquele véu que nunca tiravas parecia envolver-te numa aura de intocabilidade.

Nas vésperas do Bataclan querias ir para medicina. Tinhas tudo o que era preciso. No rescaldo do Bataclan, fizeste um técnico-profissional de cabeleireira. O teu véu denunciar-te-ia.

Eu e todas aquelas que te invejavam secretamente estamos a meio de um percurso académico do qual não tínhamos a mais ínfima certeza no último dia de aulas do 12.º. Porque sim. Porque faz parte de uma convenção. Algumas de nós terão sorte, encontrarão – como um chamamento – a sua vocação imposta.

E tu, estarás a cortar cabelos, a fazer madeixas e obras de arte capilares para casamentos, comunhões e bailes de finalistas, num cabeleireiro de centro comercial low-cost e as tuas clientes nunca verão o teu cabelo e o quanto eras brilhante.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Sim

Longe daqui

O Mundo Dela