Reverdecer


Caixas de variados doces em cima da mesa da sala, aquele cheiro a calda de açúcar… A azáfama familiar, o estrear de roupa nova, as limpezas profundas. Nunca esquecerei as Páscoas no Minho, em casa dos meus avós maternos.

A visita pascal era o momento alto. Nada podia falhar: o tapete de flores à porta de casa, o vinho do Porto e o pão-de-ló, o envelope da côngrua. Aquelas segundas tinham uma magia quase infantil. A prova-lo, o facto de que nunca mais me esqueci delas ou do cheiro a calda de açúcar.

Uma geração se extinguiu, uma casa foi desmantelada, outras famílias se constituíram e as Páscoas mudaram. Hoje, é em casa dos meus pais. Felizmente, ainda temos direito à visita pascal e ainda fazemos o tapete de flores à porta de casa. Ouve-se a mensagem, beija-se a cruz, dão-se as amêndoas aos miúdos da comitiva, entrega-se o envelope e já está.

Se pensarmos no sentido da Páscoa, pensamos em ressurreição, em renovação, em novas oportunidades, em recomeços. Se Ele ressuscitou, por que razão não podemos nós também, à sua imagem, ressuscitar? Libertarmo-nos do sudário, sair do sepulcro e recomeçar? Podemos. Cabe-nos a nós dar o primeiro passo. Reverdecer.

Este ano, a tarde pascal foi dedicada à revisitação de fotos de outrora. Separei meia-dúzia de fotos minhas, menina, com aquele enorme sorriso que me caracterizava e que hoje carrego nas minhas rugas de expressão. Um sorriso que pensava ter perdido.

No entanto, dou-me conta que, ultimamente, o meu sorriso voltou a ser franco e amplo, que voltei a dar gargalhadas e que passei a gostar das tais rugas de expressão.
Embora agrilhoada, dei o primeiro passo, libertei-me do meu sudário e saí do meu sepulcro. Reverdeci.

  

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