São loucos os escritores

Termino este livro um dia depois do Dia Internacional da Memória do Holocausto. Este período da história sempre me interpelou e me deixou marcas: do Diário de Anne Frank, passando pel’A Lista de Schindler, e culminando na minha viagem à Polónia em 2009 e consequente visita ao campo de concentração de Auschwitz.

Li e vi (nomeadamente, aquando de uma visita recente à Casa Anne Frank) muitos testemunhos, e falei com pessoas que privaram com protagonistas (Aristides de Sousa Mendes, por exemplo). Testemunhos de quem viveu ou esteve próximo do epicentro. Os livros de história relatam, irão continuar a relatar, para que nunca se esqueça…

E há a ficção. Há o pegar num trecho dessa história, uma circunstância precisa (um massacre numa aldeia, vizinhos contra vizinhos), e trazê-lo à boca de cena, dar-lhe uma vida novamente, povoá-lo de personagens decifradas, e aí colocar também uma história de amor.

E o ficcionista-autor é português, e pega em toda esta matéria, apropriando-se dela, metendo-se na pele das suas criações, repetindo movimentos, deslocações, expressões faciais, explicando subtilmente, inserindo notas de rodapé discretas de orientação, colocando em outra língua, tornando inteligível pela via das emoções. São loucos os escritores!...

E o leitor fica assim… Primeiro, sem palavras, como Shionka. Depois, acordado por um grito das entranhas, como Shionka. Sentimos as dores, e os cheiros, e os membros decepados das crianças sob os pés, na floresta…

Nas 4 semanas em que este livro me acompanhou, dei muitas vezes por mim a perguntar-me: “Como escreveu ele este livro?”, “Seria eu algum dia capaz de escrever algo de semelhante?”. Bolas, são loucos os escritores!


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