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A mostrar mensagens de 2023

Sim

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Os anos de solidão anestesiaram-me os sonhos ao ponto de pensar que já não poderia sonhar. As lutas profissionais monopolizaram as minhas dores, as minhas horas, as minhas noites. Menina, com a cabeça sempre enfiada em livros, eu costumava flutuar. Mulher, embora com a cabeça em livros, aterrei na realidade de uma vida sem sonhos. Depois, conheci-te.   E, pouco a pouco, ano após ano, a solidão foi-se dissipando porque tinha alguém a quem mandar mensagem quando chegava ao destino, alguém a quem contar o meu dia, alguém em quem despejar as minhas frustrações. As lutas profissionais continuaram, mas havia as sextas à noite, um horizonte contigo, conversas sem fim, um colo... E o meu dia chegou, aquele que nunca pensei viver, o meu sonho. Ajoelhaste-te, pensei que estavas – como é teu hábito – a brincar comigo. Não levei a mal a brincadeira e entrei nela, sentei-me ao colo do teu joelho enterrado na areia húmida. E, nervoso, estendeste-me a caixinha, abriste-a, pediste-me para casar contig

Café Correia

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Felizmente, gostas de conduzir em Nacionais. Eu não gosto, mas gosto de parar em sítios pitorescos, seja para tirar fotos, seja para tomar um café e ir à casa de banho. Lembras-te do Café Correia? Aquele que ficava numa terra cujo nome existe em vários distritos do nosso Portugal? Nem sei por que pergunto. É óbvio que te lembras. Tu é que não te ias lembrar?! Até aposto que te lembras do nome da terra! Bem, mas voltemos ao Café Correia. Estávamos a precisar desesperadamente de um café e, eu, de ir à casa de banho. Conhecíamos, por já lá ter estado, um café no nosso percurso e dirigimo-nos lá. Estava fechado. Perguntaste por um café aberto a um transeunte e este indicou-te o Café Correia, a 100 metros dali. Estacionámos logo a seguir a uma curva que deve ter o epíteto de “curva da morte” como 8974 curvas em Nacionais portuguesas (razão pela qual não gosto de conduzir nelas). O café ficava do outro lado da estrada. Atravessámos (o ato mais perigoso do dia) e entrámos no dito café. Ou, me

Lista das 28 coisas de que mais gostamos

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Para começar, gostamos de listas, mas isso está implícito. Fazemo-las para tudo: no trabalho, na nossa organização pessoal, para não esquecer itens de compra ou para incluir na mala aquando de uma viagem. Atrevo-me a dizer que nenhuma lista nos terá dado tanto gozo a fazer quanto esta. Ontem, perguntaste-me por ela. Aqui está. Como boa fazedora de listas que sou, guardo as mais importantes e, obviamente, guardei esta. Começou numa esplanada, numa brincadeira e, na verdade, poderia ter o triplo dos itens, porque não faltam elementos a unir-nos. A ordem é (im)perfeitamente e surpreendentemente aleatória. Aqui vai.   1. Caipirinhas. À sexta-feira, no final da tarde, quando está bom tempo. Docinha para mim, com gelo picado para ti. Já temos dois ou três sítios de eleição e andamos a estudar e a aprimorar a receita e o modus operandi para as fazer em casa.   2. Caminhadas. Na cidade, junto ao mar, na nossa ecopista... As que mais gostamos são nos passadiços desse nosso Portugal. Preparamo-l

O Mundo Dela

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O possessivo avisa que ninguém entra. Apenas observa algumas coisas, o que ela mostra, o que ela conta. No mundo dela, existem livros. Muitos. Livros que ela arruma, classifica, lê avidamente, sublinha, comenta, resume. Quando ela está mergulhada no enredo de um livro, nada mais existe. Ela está lá também, a espreitar atrás de uma porta. Quando regressa, vem a suspirar, com um sorriso nos lábios, ou pensativa, com o olhar perdido. Dos livros do seu mundo adveio a escrita do mundo dela. Primeiro, os diários, depois, os contos. Venera alguns escritores que lhe iluminam o caminho do sonho. O sonho de escrever um romance. A confirmação de que seria capaz de escrever algo sólido com mais de duas páginas, sem pretensões, sem vaidade. À sua escrita, está sempre associada a música e, consistentemente, as vozes femininas que a arrepiam. Eclética, no mundo dela, há espaço para toda a melodia que a acaricie e lhe conte uma história. Das vozes nórdicas, ao fado do seu país, às notas agudas das sop

Longe daqui

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- Já percebi por que motivo escolheste esse filme. - Percebeste? Eu não... - Li a sinopse. - Mas eu não li. Juro. Acho que foi o título. (...) - “A vida é bem mais simples sem as coisas estúpidas do amor”... - Mas são essas que nos fazem bater o coração. E nos põem a flutuar... - “O teu coração é uma esponja ou um punho”. Ao que parece, a frase é de uma romancista americana de origem sérvia, Téa Obreht, e, na origem, é uma pergunta. O teu coração é uma esponja ou um punho? - Ora um, ora outro. - Daria a mesma resposta. (...) - Quero ir à Croácia. - Deve ser linda. Já vi fotos maravilhosas. Mas, primeiro, vamos ao Alentejo. Tem de ser. Devemo-nos isso. (...) - “- Como lidamos com isso? - Com quê? - Com os reencontros depois de nos perdermos…”   - Recomeçamos. Baby steps. Sabemos onde erramos, estamos dispostos a mudar o que temos de menos bom. Creio que é um bom princípio.   (...) - Então, recomeçamos? - Recomeçamos... Longe daqui. Nota/Spoiler: No filme "Longe daqui" (Faraway

Original

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  As primeiras experiências vão ser desastrosas... Vamos ver defeitos em todo o lado e tudo nos vai irritar no outro. Vamos regressar a casa a dizer mal das nossas vidas, a vociferar contra o destino, a culpar a sina. Nós, em contrapartida, vamos ser perfeitos: atenciosos, simpáticos, vamos vestir a nossa melhor roupagem. Vão gostar de nós e querer mais. E, nós, ao segundo encontro, já vamos levar desculpas, estar mais calados. Sabes porquê? Vamos estar sempre a comparar com o original... É uma chatice, mas é exatamente o que vai acontecer.   Vamos bloquear em cada erro ortográfico das mensagens, em cada palavra mal pronunciada... Tu vais provavelmente olhar para todos os detalhes: de que lado se vai sentar, se olhou para ti a brindar, se identificou devidamente o conteúdo de um saco de plástico... (a lista poderia ter uma centena de exemplos) Eu vou esperar que complete as minhas frases, que me lembre o nome dos cantores, bandas, atores e realizadores, que conduza nas nacionais... (a

Langue Première

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Je replonge dans cette langue… La langue de mon enfance. Ce n’est pas ma langue maternelle, car ce n’est pas la langue de ma mère. C’est la langue d’une enfant tiraillée entre deux mondes, deux cultures, deux amours… C’est la langue des premières chansons, des premières lectures, des premiers savoirs. Je ne l’ai jamais perdue de vue, mise de côté ou rechassée. J’ai fait avec. C’est en faisant son usage que je m’exalte, que j’insulte, que je me perds. Peut-être redeviendra-t-elle ma première langue ?

Consulta 5

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- Então, como tem andado nas últimas semanas? - Não sei responder a essa pergunta... Uns dias bem, outros dias menos bem. - Mas há mais dias bons ou menos bons? - Não consigo quantificar. - Como se sente hoje? - Hoje, estou chocha... - Porquê? O que sente? - Saudade. Um vazio. Tenho a sensação que este processo vai ser longo. Sinto-me sem rumo... - Sem rumo a que nível? - Penso que a todos os níveis... Profissionalmente, nem sei se quero dar seguimento a este projeto... Tenho lido imenso. Refletido, investigado... Aquele segundo livro que me recomendou... Descobri o meu padrão. - Descobriu? - Sim, é o padrão do conflito. Estou a reproduzir e a fazer perdurar o padrão do conflito. - Houve conflitos na sua infância? - Muitos. Sempre houve. Continua a haver. Sempre vivi no seio de uma família conflituosa, na qual as pessoas discutem muito e se viram as costas, se deixam de falar. E sempre tive consciência de que não queria isso para mim. Era por isso que eu detestava discutir com ele. Ele

Mutismo Seletivo

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- Como é a voz da nossa filha, Aurora? - Triste, Carlos, muito triste...   A menina não falava. Ou melhor, só falava com a mãe, desde que não houvesse gente por perto e dizia muito pouco. O essencial.   Foi por volta dos 7 anos. Todos os mecanismos de emergência foram acionados: médico de família, psicóloga escolar, assistente social, terapeuta da fala, pedopsiquiatras, clínicas privadas com nomes pomposos, curandeiros e afins...   Foram ouvidos todos os diagnósticos (stress pós-traumático e mutismo seletivo à cabeça) e até que não era possível fazer qualquer diagnóstico.   Não fosse o facto de não falar, Leonor era uma criança normal. Aprendia bem (quase não precisava da etiqueta “especial” ao “ensino” que lhe era ministrado), gostava de brincar com os outros meninos e de ver desenhos animados.   Quando questionados, os pais exasperavam: não havia maus tratos ou violência doméstica e, por mais que puxassem pela cabeça, não se lembravam de qualquer episódio que pudesse ter constituído