Consulta 5
- Não sei responder a essa pergunta... Uns dias bem, outros dias menos bem.
- Mas há mais dias bons ou menos bons?
- Não consigo quantificar.
- Como se sente hoje?
- Hoje, estou chocha...
- Porquê? O que sente?
- Saudade. Um vazio. Tenho a sensação que este processo vai ser longo. Sinto-me sem rumo...
- Sem rumo a que nível?
- Penso que a todos os níveis... Profissionalmente, nem sei se quero dar seguimento a este projeto...
Tenho lido imenso. Refletido, investigado... Aquele segundo livro que me recomendou... Descobri o meu padrão.
- Descobriu?
- Sim, é o padrão do conflito. Estou a reproduzir e a fazer perdurar o padrão do conflito.
- Houve conflitos na sua infância?
- Muitos. Sempre houve. Continua a haver. Sempre vivi no seio de uma família conflituosa, na qual as pessoas discutem muito e se viram as costas, se deixam de falar. E sempre tive consciência de que não queria isso para mim. Era por isso que eu detestava discutir com ele. Ele dizia que não podíamos varrer o lixo para debaixo do tapete e, quando discutíamos, era o caos. Lá resgatava eu o meu padrão de conflito.
- E ele?
- As nossas discussões eram muito feias. Demos muita tareia um ao outro. Tareia a mais. Tareia irreversível...
A minha questão hoje é como quebrar um padrão de conflito quando há décadas que não conheço outra coisa?
- Ter a consciência já é um ponto de partida.
- Sempre tive consciência e não consigo quebrá-lo...
E continuo a atrair pessoas desreguladas, em desequilíbrio, problemáticas...
- Homens?
- Homens e mulheres. Por um lado, quando me confronto com essas outras realidades, até fico aliviada, relativizo, acho sempre que são casos piores do que o meu. A sua profissão tem futura, doutora...
- Nem toda a gente procura ajuda ou sequer tem consciência de precisar de ajuda...
- Sim, isso é verdade.
- Mas, fale-me dessas pessoas que diz atrair.
- Ui! Nem imagina...
- Acho que imagino.
- As pessoas aproximam-se, são cordiais, conquistam a nossa confiança – eu sou fácil de conquistar... – e, de repente, transformam-se porque não conseguem o que querem, viram o jogo... Mas já não me sinto culpada de nada. Já consegui esse feito. Só tenho pena é de as atrair, de algum modo... De estar constantemente a ser posta à prova. Ando cansada de provas... Gostaria que me deixassem em paz.
Nota da autora: em 2011, escrevi um conjunto de 3 textos que também descreviam um périplo de consultas. O terceiro desses textos intitula-se “Oitava e última consulta”. Penso agora que não devia ter acrescentado a palavra “última” ao título. Penso que, por vezes, pensamos ter chegado ao fim de um processo e, na verdade, não chegamos...
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