A Pradaria

Durante muitos anos, como D. Quixote, lutei contra moinhos de vento. Lutas inglórias, como se sabe. 

Nos dias em que estava mais inspirada, sentia-me como se tivesse escrito um best-seller e tivesse os holofotes editoriais todos apontados para mim à espera do próximo lançamento. Ouvia vozes: “nenhum livro que ela venha a escrever será tão bom quanto o último”, “quem ela julga que é?”, “deve ser plágio, de certeza!”. Eu que nunca escrevi nada...

 

Ou, melhor, escrevo agora. Escrever salva-me da perda da razão, acalma-me, ilumina o turvo, dá sentido à minha confusão mental. Mas não escrevo para os outros; apenas para mim, para servir os meus propósitos de clarividência. Seria incapaz de escrever algo não-genuíno. Se a minha escrita vier, um dia, a afetar positivamente outros, terá sido apenas um efeito colateral. É a história do voluntário ao contrário: o voluntário dá aos outros e recebe mais do que dá, eu escrevo para mim e posso vir a dar aos outros... sem certezas...

 

Voltando às lutas. Nessas alturas, competia diariamente com a minha versão de ontem. Vivia rodeada de Dâmocles a quem cederia de bom grado o meu lugar. Era tão apreciada com odiada. Matematicamente, era o nulo. Mais com menos... O meu ritmo era vertiginoso. Se parasse era meio-caminho para o meu abismo, para a clausura. Pendia sobre mim, não uma espada, mas um fio de seda destruidor.

 

Até que ele se atravessou, como se nada fosse. Fortuitamente. E, silenciosamente, derrubou os meus moinhos, sem espada. Sentou-se no meio da pradaria e esperou. De quando em vez, recitava músicas longínquas. Eu, à distância...

 

Comecei por descer do cavalo, passei a andar a pé, a sorrir para as pedras da calçada. E os holofotes, e as vozes, e o fio de seda deixaram de fazer barulho e sentido. 

 

Um dia acordei e desisti. E fui ao seu encontro, na pradaria, aninhei-me a seu lado e dormi um sono retemperador. Quando acordei, a cabeça pousada no seu regaço, ele não se tinha movido um milímetro, o olhar doce.

 

E a vida prosseguiu os seus caminhos, levantámo-nos, deixámos a pradaria para trás e regressámos à urbe, de mãos dadas. Quando o vento se levanta, pouso a cabeça no seu regaço e durmo. Os acordares passaram a ser suaves.

 

Suave é a pradaria.






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