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A mostrar mensagens de abril, 2019

A libélula

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Na hora em que arranco estas palavras ao teclado, pesam-me os olhos e persiste uma acidez na garganta, a dos excessos. Deve ser o não hábito da solidão ou a consciência do fracasso. Não sei. Os pensamentos atropelam-se. Penso nele, no desfecho sem fim à vista da tragicomédia em que a minha vida se transformou. E penso nela. Na libélula. Neste símbolo de transformação, de liberdade, de força. Ainda na ninfa, debate-se, agressiva e predadora. Liberta do seu casulo, resplandece e impõe a beleza e a finura das suas longas asas.  Dizem as más línguas, que a fêmea é uma meretriz e que o macho fura olhos e pica cavalos. Disso nada sei. Sei apenas que o humano tem uma propensão para acreditar em boatos que denigrem, acrescentando-lhes um ponto. Pouco ou nada corre sobre a sua estratégia de contornar obstáculos. Ao que parece, aqueles amantes da fauna que se vestem da cor do cenário que investigam e usam objetivas fotográficas do comprimento de um braço, terão descoberto que este mi

Casa de Memórias

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Apaixonei-me pelas tuas memórias. Pela tua irritante capacidade de fixar o tempo. Com palavras, conseguias fotografar o espaço e o sentimento. Sempre detestei em silêncio os adeptos do Carpe Diem, os esquecidos, os alienados do passado. Os que não choram ao ver fotos antigas, que não têm paciência para falar com os mais velhos na fila do supermercado, que se desfazem da roupa usada com facilidade. Naquele dia de novembro, o meu prumo desabou. Eu, tão cheia de mim, de certezas, de mentiras. Tu, à minha frente, tão cheio de aparente calma, serenidade, incertezas. Esqueci-me do tempo; deixei-me embalar na tua voz. Mas tinhas hora marcada e eu fiquei sem chão. Os dias (as semanas, os meses e os anos...) seguintes foram estranhos. Passei-os a abrir precedentes, a quebrar as regras do meu código, a ser genuinamente feliz. Acho que, sem querermos e sem procurarmos, descobrimos a tal fórmula mágica. O código secreto da harmonia e da plenitude. O dom de tirarmos as palavra

Imprevistos (III)

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As pessoas gostam de recriar personagens e histórias, transferindo a autoria para quem dificilmente a exigirá. Há anos que me divirto à custa dessas mentes de fértil imaginação e mau gosto. Se poderia esclarecer? Dar a minha versão? A troco de quê? As mulheres sem história não têm tempo  de antena, são reduzidas a vizinhas antipáticas e a colegas de trabalho snobes.  Esta aura de mistério que as pessoas me acrescentaram dá-me carta branca para não ir às reuniões de condomínio, dispensa-me das conversas à porta do prédio ou nos patamares e da sardinhada de S. João cá do bairro. As fraquezas de um indivíduo tocam-nos sempre mais do que as suas qualidades. Esta é a verdade inabalável das relações humanas. Pessoas genuinamente felizes não existem ou transportam consigo um segredo de estado que lesa a Pátria inteira. Apenas toleramos os infelizes. A pena é o sentimento (e o desporto) preferido dos portugueses. Não deixam de ser criativas – ou, pelo contrário, padronizada