Café Correia

Felizmente, gostas de conduzir em Nacionais.

Eu não gosto, mas gosto de parar em sítios pitorescos, seja para tirar fotos, seja para tomar um café e ir à casa de banho.

Lembras-te do Café Correia? Aquele que ficava numa terra cujo nome existe em vários distritos do nosso Portugal?

Nem sei por que pergunto. É óbvio que te lembras. Tu é que não te ias lembrar?! Até aposto que te lembras do nome da terra!


Bem, mas voltemos ao Café Correia.

Estávamos a precisar desesperadamente de um café e, eu, de ir à casa de banho.

Conhecíamos, por já lá ter estado, um café no nosso percurso e dirigimo-nos lá. Estava fechado. Perguntaste por um café aberto a um transeunte e este indicou-te o Café Correia, a 100 metros dali.

Estacionámos logo a seguir a uma curva que deve ter o epíteto de “curva da morte” como 8974 curvas em Nacionais portuguesas (razão pela qual não gosto de conduzir nelas).


O café ficava do outro lado da estrada. Atravessámos (o ato mais perigoso do dia) e entrámos no dito café.

Ou, melhor, entrámos numa máquina do tempo que nos levou para 1982.

O Café Correia era um “2 em 1”: à esquerda, café, à direita, papelaria. 

Da pequena montra suja da anunciada papelaria, não se vislumbrava qualquer papel, caderno diário, lápis ou canetas. Só um amontoado de bugigangas anacrónicas e faianças chinesas, daquelas que ainda conseguimos ver em casa dos nossos avós.

O café remeteu-me de imediato para os estabelecimentos do mesmo género do país basco espanhol dos anos 70, nos quais parávamos, os meus pais e eu, quando vínhamos passar férias a Portugal.


Saudámos quem lá estava, ou seja, o homem atrás do balcão e um cliente que também aguardava um café.

O homem atrás do balcão é digno de uma descrição precisa: cerca de 65 anos, olheiras profundas, barba por fazer, cabelo desgrenhado, calças e T-Shirt descoloridas e sem contacto com o ferro de engomar há vários anos. Aposto contigo que é divorciado ou viúvo...

Do cliente que aguardava o seu café só me lembro que usava chapéu. Deves ter mais elementos do que eu, pois, entretanto, dirigi-me à casa de banho, aflita.

Vou resumir ao mínimo indispensável a descrição da casa de banho. Percebi de imediato que o café só devia ser frequentado por mulheres acidentalmente... A torneira do autoclismo estava fechada e não havia um cm2 de superfície limpa.


De regresso ao balcão, o meu café tinha acabado de sair; a máquina só tirava uma bica de cada vez e tu, cavalheiro como sempre és, cedeste-me a chávena que acabava de sair. Comecei a olhar em volta e não consegui encontrar qualquer referência contemporânea. Máquina de café e café de marcas desconhecidas, bebidas expostas em prateleirinhas de vidro (tão “eighties”!) com nomes esquisitíssimos a imitar marcas atuais... Só consegui identificar o manípulo da Super Bock (valha-nos isso!) de pressão que, obviamente perdido no tempo, era de cerâmica.

Fizeste uma careta ao café. Eu, por acaso, não desgostei.


Entrou um novo cliente, com roupas de trabalho agrícola e, às nove da manhã, pediu um birinaite, pois então. Sim, aqueles copinhos de pé cheios de cachaça e/ou aguardente, pois, embora a palavra venha do inglês “beer in (the) night”, aqui, em Portugal, a bebida tem tudo menos cerveja e bebe-se logo pela manhã que é para começar bem o dia.


Ia-me esquecendo da cena do cão...

Quando entrámos no café, percebemos que o senhor do balcão, assim que nos viu, apressou-se a abrir uma porta e a encaminhar um cão para lá. Não fôssemos nós da ASAE...

Ah, mas espera, estamos em 1982 e não há ASAE...

Está tudo em conformidade, pois o cão é um Border Collie, ou seja, um/a Lassie, um dos cães domésticos mais populares dos anos 80.

Pagámos e saímos, com uma enorme vontade de rir.

À porta do Café Correia, o trator do homem do birinaite está estacionado de esguelha, em cima de um canteiro.

Confirmo: estamos em 1982.


Só saímos da máquina do tempo quando avistámos o nosso Peugeot de 2017. 





Comentários

Mensagens populares deste blogue

Sim

Longe daqui

O Mundo Dela