Khaalia

 Magdalina, a mãe de Khaalia, andava num enorme desassossego.

Desde que Romulus rompera o noivado com Khaalia, a jovem definhava de dia para dia. Perdera a alegria de viver, isolava-se nos seus aposentos e pouco ou nada falava. 

Naquele domingo em que Khaalia não quis sair do quarto e se recusou a ir ao culto, Magdalina tomou a decisão: que Javé a perdoasse, mas na manhã seguinte levaria Khaalia às Montanhas Malditas e encontrar-se-iam com a feiticeira Talã para o derradeiro corte xamânico.

Talã privou com Khaalia por mais de 2 horas. Quando saíram do pequeno quarto, Talã quis falar a sós com Magdalina:

- Nada posso fazer pela tua filha, Magdalina. Caiu sobre ela a maldição maior. Leva-a às Deusas da Tessália. Procura primeiro Lilith.

 

Nos dias que se seguiram, e determinada a salvar a sua filha da maldição maior, Magdalina preparou a viagem com afinco: pediu mapas emprestados, estudou rotas, leu advertências, afiou facas, preparou comida.

Saíram numa madrugada rosa de março, cada uma com a sua trouxa de mantimentos e agasalhos. Caminharam 7 dias e 7 noites. Chegaram a Lárissa com um nascer de sol encoberto e frio. Lilith, cujos poderes transcendiam o entendimento humano, já as esperava, vestida de negro, dos pés aos longos cabelos pretos.

- Confia-me a tua filha, Magdalina. A sua jornada começa hoje e será longa. Não te apoquentes: Khaalia está agora nas mãos das Deusas da Tessália e o seu caminho não pode ser interrompido. Vai-te, mulher de Javé! A tua filha regressará curada!

Magdalina ainda hesitou, mas não tinha opção e, olhando para a sua filha, Khaalia assentiu com o olhar meigo que a caracterizava.

 

Khaalia estava agora nas mãos de Lilith, a Deusa das Trevas.

- Conheço as tuas dores, Khaalia. Fui expulsa do Éden e substituída por Eva. Eu sou a primogénita esposa de Adão. Vagueei durante séculos em busca do meu lugar. Ajudar-te-ei a encontrar o teu. Segue-me!

E Khaalia seguiu Lilith que entrava numa caverna escura, mas nunca mais a viu.

Apenas a sua voz marcava presença de tempos a tempos, para dar instruções e atribuir-lhe tarefas. Foram 7 longos meses no antro de Lilith.

Durante esse período, Khalia limitou-se a obedecer. Dançou ao som de uivos longínquos, expulsou a raiva que acumulara desde que recebera a longa carta de Romulus, uivando também, experimentou a mais extrema solidão e abstinências de todo o tipo, jejuou, sugando apenas a rocha fria e húmida, meditou horas infindas. Por vezes, a voz de Lilith desaparecia por várias semanas.

No último dia do sétimo mês, uma brisa fria entrou pela caverna adentro e a incarnação de Lilith surgiu.

- Estás pronta para o resto da caminhada, Khaalia. Conheceste o teu lado sombra. Atravessa agora o deserto e dirige-te ao reino de Afrodite. Ela espera-te.

 

Khaalia atravessou o deserto durante 7 dias e 7 noites, teve sono e sede, sentiu o cansaço dos justos, alimentou-se da seiva dos catos gigantes, arrastou-se na areia escaldante.

Quando chegou ao reino de Afrodite, esperava-a uma legião de jovens deusas que a mimaram com vestes coloridas e travessas de fruta sumarenta e doce, antes de a levarem à presença da Deusa do Amor. 

Quando entrou nos aposentos de Afrodite, a Deusa ostentava nas mãos um enorme espelho.

- Bem-vinda, Khaalia! Olha-te e confronta-te com os teus medos! As trevas ficaram para trás. Experimenta agora a luz divina!

Nos 7 meses que se seguiram, Khaalia viveu no templo de Afrodite acercada de cuidados e atenções. Conheceu as mais nobres artes do reino, assistiu a recitais de poesia e música, participou em orgias e banhos de espuma coletivos.

No último dia do 7.º mês, Afrodite expulsou-a do templo.

- Vai-te! Regressa às origens! Não pertences a estas paragens!

 

Khaalia fez o caminho de regresso a casa sem hesitações, como se uma voz divina lhe sussurrasse as direções. Foram 7 dias e 7 noites.

Foi acolhida por Magdalina que não cabia em si de contentamento e por toda a aldeia, e festejaram, dançando, comendo e bebendo por 7 dias e 7 noites.

 

Khaalia nunca contou a ninguém o que se passara nos 447 dias em que estivera fora. Tornou-se uma das 7 Deusas Sábias do Reino de Horus, a Deusa da Virtude. À história de Khaalia fica a dever-se a expressão popular: “No meio é que está a virtude”.




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