O Mundo Dela

O possessivo avisa que ninguém entra. Apenas observa algumas coisas, o que ela mostra, o que ela conta.

No mundo dela, existem livros. Muitos. Livros que ela arruma, classifica, lê avidamente, sublinha, comenta, resume. Quando ela está mergulhada no enredo de um livro, nada mais existe. Ela está lá também, a espreitar atrás de uma porta. Quando regressa, vem a suspirar, com um sorriso nos lábios, ou pensativa, com o olhar perdido.


Dos livros do seu mundo adveio a escrita do mundo dela. Primeiro, os diários, depois, os contos. Venera alguns escritores que lhe iluminam o caminho do sonho. O sonho de escrever um romance. A confirmação de que seria capaz de escrever algo sólido com mais de duas páginas, sem pretensões, sem vaidade.


À sua escrita, está sempre associada a música e, consistentemente, as vozes femininas que a arrepiam. Eclética, no mundo dela, há espaço para toda a melodia que a acaricie e lhe conte uma história. Das vozes nórdicas, ao fado do seu país, às notas agudas das sopranos, culminando no embalo do jazz ou da Bossa Nova. 


O mundo dela tem animais de estimação que lhe pedem colo, carícias e comida. Animais com quem ela fala, se acalma e chora.


O mundo dela tem cheiro de horta, de guisados e assados. A cozinha é a sede dessa coutada criativa onde gosta de inventar, colorir pratos, reciclar restos de comida, preparar almoços ou jantares para algumas – poucas - pessoas especiais com quem gosta de partilhar o que confeciona e degustar um tinto alentejano.


No mundo dela, há programas de rádio a que agora chamam podcasts e que ela consome amiúde e de forma criteriosa, selecionando temas, línguas e culturas. Mais tarde, vieram os vídeos, embora ela continue a preferir os primeiros, pois permitem-lhe não perder tempo e, ao mesmo tempo, fazer algo mais e que não lhe ocupe os neurónios (como limpar a casa ou arrumar armários). No mundo dela, o mais importante é aprender algo que acrescente valor à sua vida ou à dos que lhe são queridos.


Há também exercício físico, a solo, pois não gosta de olhares indiscretos e comparadores. Quando treina no seu mundo, o foco é o bem-estar e não o socializar.

Nesse mesmo capítulo do seu mundo, estão os seus rituais de beleza, os seus cremes, champôs, amaciadores, loções e aromas.


No mundo dela, existe um quarto com gavetas etiquetadas e nunca nada está fora do lugar. Existe um espaço para as suas meditações, no qual se evade, tranquiliza e agradece.


No mundo dela há um post-it mental e gigante no qual está escrito: “Quando nada mais funciona, terás sempre o teu mundo”.




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