Circo de Feras
Saiu do seu lamento silencioso para o jardim. O cheiro a terra molhada pelas primeiras chuvas foi um bálsamo. Tentara habituar-se à solidão com rotinas egocêntricas. Rituais de beleza, explorações literárias, cinematográfica e musicais, entregas meditativas... Mas as memórias de um passado imperfeito, porque longínquo, arruinavam-lhe a persistência. Os filhos pequenos, o marido vivo, a desarrumação e os sons indistintos. Os aniversários que lotavam a casa, os réveillons sem hora de deitar, a montanha de papel de embrulho pelo Natal. A velocidade das horas não para no apeadeiro dos corações moles, não tem piedade das lágrimas. Nos momentos de maior desespero, dava por si a questionar-se quando e onde teria perdido o controlo. Chorava, sempre em silêncio, deitada de lado, na cama na qual nunca conseguira ocupar o espaço central. Apesar de tudo, tinha procurado encaixar-se na definição de “boa pessoa”. Uma menina bem-comportada, filha de pais humildes, a quem o casamen...