Hábito

Disseste-me que me habituaria às rugas dele e aos cabelos brancos.
Tinhas razão. Habituei-me. Sou mulher.
Habituei-me a tudo; aos clássicos masculinos (à tampa da sanita levantada, à roupa desarrumada, às Tupperwares vazias no frigorífico...) e a muito mais... Eu, tão ordeira que sou.
O hábito foi a minha defesa, a par dos livros, do trabalho, da corrida. O hábito faz o monge, diz-se, o hábito fez a mulher, digo.
O homem nunca cria hábitos; lança âncoras.
Há-os que dizem que têm. Mas não têm. Quando muito, têm rotinas, seguranças sem consistência que substituem à primeira alternativa supostamente melhorada, qual espírito cartesiano...
Não se habituam a nós. Somos um bem adquirido, indefetível.
Talvez nos amem, sim. Amam olhando para o lado, para a TV, as revistas ou redes sociais, cobiçando secretamente outros corpos, saciando-se no nosso, por enquanto.
E esse “por enquanto” até pode ser “até ao fim”, mas, no entretanto, nunca bastamos.
E vamos competindo, também secretamente, com outras mulheres de hábitos, mais jovens, mais lindas, tangíveis ou inatingíveis.
Maus hábitos.

Comentários

Luísa Lima disse…
Texto muito interessante e realista.


Luísa Lima
Ana Bela Cabral disse…
Obrigada pela visita, pela leitura e pelo comentário, Luísa!
É tão bom percebermos que chegamos a alguém nesta "selva" sitiada de redes "sociais"!
Um beijinho!

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