Mini-conto de Inverno

Chegou finalmente a casa. Durante o dia, pensara várias vezes nesse momento em que fecharia a porta à sua infernal agenda. Silêncio.
Silêncio.
Decidiu não ligar a TV. Trouxera comida do Sushi Bar da esquina e tinha decidido no caminho que jantaria em conformidade: sentado no chão e em silêncio.
Despiu o sobretudo de caxemira que pendurou no cabide da entrada, descalçou-se e arrumou metodicamente os sapatos na sapateira do corredor, enquanto ia pensando: «quem disse que um homem sozinho não pode ser arrumado?!». Sorriu.
Sorriu.
Foi para a sala e instalou-se comodamente em posição de lótus, no chão, entre o sofá e a mesinha baixa. Desembrulhou meticulosamente as camadas de embalagens do take-away e admirou por uns segundos o seu jantar. Apercebeu-se então que se tinha esquecido do talher e de qualquer coisa para beber. «O que se bebe com sushi?», pensou.
Pensou.
Levantou-se, foi à cozinha, tirou o talher da gaveta e decidiu-se por Pleno de erva-cidreira. Tinha tudo a ver. Chá, sushi, chão…
Tinha tudo a ver.
Voltou para a sala, instalou-se novamente no chão e começou a saborear o sushi que ia intercalando com goles de Pleno de erva-cidreira. Os saltos altos da vizinha de cima acordaram-no do torpor oriental. Levantou-se de repente e disse, alto e bom som:
- Que se lixe o silêncio, o sushi, o chá e o chão, vou mas é buscar a agenda e adiantar serviço para amanhã. – sorriu. «Tem tudo a ver», pensou.
Pensou.

Comentários

Rita disse…
Tudo a ver com tudo!

Bem, quando li o mini, mini conto, revi-me no desejo de me sentar no chão, sem compromissos. Mas, mesmo desejando estar assim, simplesemente "assim", já estava a pensar que não ia aguentar muito tempo quieta!
Unknown disse…
Hoje era um dia em que me apetecía, desligar o telemóvel, sentar-me no chão, e apreciar o silêncio da noite!...Infelizmentenão posso...!
Bjoka
Ana Bela Cabral disse…
Parece-me, afinal, que temos todos algo em comum com esta personagem. É esse um dos intuitos da escrita, esse processo de identificação indelével...
Rita disse…
Gandas malucas! Afinal o que nos une ao protagonista da estória é só uma coisa...o desejo, mais que urgente, de ir para o SPA!

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