Mini-conto de Verão

- A tua mãe era rápida, David.
- Rápida, pai?
- Sim, sempre à frente da sua sombra, sintonizada em tudo. Marcava o código quando a máquina ainda pedia para aguardar…
- Fala-me mais dela, pai.
- Era linda. Mas isso já sabes. Já to devo ter dito um milhão de vezes.
- Para não falar no milhão de fotos…
- Pois. Mas era uma beleza “não convencional”.
- “Não convencional”?
- Ela tinha uma dessas T-shirts que oferecem nas perfumarias para promover marcas de cosméticos. Justinha, a realçar a suas imperturbáveis formas. Só me lembro que era uma marca americana. Como lhe assentava bem o raio da T-shirt! “Non-conventional beauty”…
- O teu inglês já viu melhores dias, pai…
- A tua mãe falava um inglês perfeito. E espanhol. E Italiano. E quantas mais línguas viessem.
- Talvez tenha herdado isso dela.
- Sabia o nome das capitais todas e os estilos arquitectónicos, gostava de meter conversa com os chefes dos restaurantes e dissertava sobre ervas aromáticas. Tanto lia Tolstoi ou Dostoievski, como trocava receitas e soluções tira-nódoas com as vizinhas do prédio.
Longo silêncio.
- Achas que a mãe teria gostado deste sítio, pai?
- A tua mãe tinha um jeito especial para arranjar formas de gostar. Se não gostava da praia, arranjava uma retrosaria ou um antiquário. Tinha um espaço e um tempo muito próprios. Acho que a única coisa que a afligia seriamente era ter tempo livre.

Comentários

Ana Bela Cabral disse…
Para a minha Amiga Rita. She knows why.
Rita disse…
Maravilhoso, de facto! Desde as leituras, à ambivalência, até às ervas aromáticas...

Espólio que reservo para mim e que gosto de partilhar com pessoas especiais, como tu, minha doce Aninhas!

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