Encore un tournant

J’ai toujours rêvé d’entretenir un dialogue de sourds avec Clarice Lispector…

(baseado no poema “Mude” de Edson Marques cuja autoria é erradamente atribuída a Clarice Lispector em várias dezenas de publicações na Internet)

MUDANÇA

- Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade.

- Às vezes a mudança tem de ser depressa, Clarice.

- Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa.

- Quando era pequena, gostava de fazer cabanas em baixo da mesa da sala. Montava lá uma casa inteira.

- Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois, mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com atenção os lugares por onde você passa.

- Quando chego à cidade, gosto de estacionar o carro longe e fazer uma caminhada. Está lá sempre aquela fila de pardais na alta tensão. Os sons são imensos. Amanhã, estaciono em outro sítio.

- Tome outros ônibus.

- A próxima vez que for a Lisboa, penduro-me no 28, como os putos…

- Mude por uns tempos o estilo das roupas. Dê os seus sapatos velhos. Procure andar descalço alguns dias. Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos.

- No ano passado, comprei uns sapatos rosa-choque: foi uma das minhas maiores ousadias. Adoro aqueles sapatos. O meu pai diz que tenho os pés da minha mãe…

- Veja o mundo de outras perspectivas.

- Todas. Saio. Procuro. Entusiasmo-me.

- Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda. Durma no outro lado da cama... Depois, procure dormir em outras camas. Assista a outros programas de tv, compre outros jornais... leia outros livros.

- Contrariar um hábito é um exercício duro. Contudo, os resultados são quase sempre positivos. TV e jornais desesperam-me. Leio outros livros, de tudo, mas volto fielmente a ti, Clarice.

- Viva outros romances.

- Todos os dias. Os romances que construo na minha cabeça são lindos!

- Não faça do hábito um estilo de vida. Ame a novidade. Durma mais tarde. Durma mais cedo.

- Os meus radares são potentes. Estou finalmente a aprender a gostar de dormir.

- Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.

- Então, no meu caso, tenho de fazer o contrário?

- Corrija a postura.

- Nasci com as pernas tortas e tenho escoliose. A minha mãe diz que é do salto alto.

- Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes, novos temperos, novas cores, novas delícias.

- Adoro cozinhar, criar pratos novos. Atualmente, dou por mim na cozinha até às 10 da noite. Acho que é das poucas coisas que não me cansa, não me enfastia.

- Tente o novo todo dia. O novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo amor. A nova vida.

- Novo! New! Neue! Néones…

- Tente.

- Estou a tentar. A sorte bate pouco à porta e tenciono aproveitar esta chamada.

- Busque novos amigos. Tente novos amores. Faça novas relações.

- Amigos, amores, relações só com quem quiser estar comigo, por vontade, nunca por precisão. Nunca mais.

- Almoce em outros locais, vá a outros restaurantes, tome outro tipo de bebida, compre pão em outra padaria.

- No outro dia levei o Tupperware para o parque. Gostei.

- Almoce mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa.

- Ou tomar o pequeno almoço todo o dia…

- Escolha outro mercado... outra marca de sabonete, outro creme dental... Tome banho em novos horários.

- Não sou fiel a marcas. O duche tornou-se claustrofóbico. Agora, só a banheira.

- Use canetas de outras cores. Vá passear em outros lugares.

- Engraçado, hoje comprei uma carga azul para a minha MB. A senhora da loja achou estranho.

- Ame muito, cada vez mais, de modos diferentes.

- Sempre. A quem quiser estar. Não a quem precisar.

- Troque de bolsa, de carteira, de malas, troque de carro, compre novos óculos, escreva outras poesias.

- Troco tudo. Preciso de troco.

- Jogue os velhos relógios, quebre delicadamente esses horrorosos despertadores.

- Deixei de usar relógio. O tempo está em todo lado.

- Abra conta em outro banco. Vá a outros cinemas, outros cabeleireiros, outros teatros, visite novos museus.

- Essas mudanças são cíclicas. Não tenho contratos. Detesto a exclusividade.

- Mude.

- Work in progress.

- Lembre-se de que a Vida é uma só. E pense seriamente em arrumar um outro emprego, uma nova ocupação, um trabalho mais light, mais prazeroso, mais digno, mais humano.

- O meu patrão não vai ficar contente, mas estou a pensar seriamente nisso.

- Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.

- Por enquanto, são muitas as razões.

- Seja criativo.

- Para algumas coisas. Para outras, sou completamente quadrada.

- E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possível sem destino.

- Estou prestes a embarcar. E não é que estou a gostar?!

- Experimente coisas novas. Troque novamente. Mude, de novo. Experimente outra vez.

- Cuidado! A mudança pode tornar-se um hábito…

- Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas, mas não é isso o que importa.

- A mudança um hábito… Qual o perigo?

- O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia.

- A minha vida é uma roda-viva. A minha agenda provoca tonturas a muito boa gente. Mas o entusiasmo está lá sempre.

- Só o que está morto não muda !

- Anda por aí muito morto-vivo…

- Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena !!!

- Je suis sur la bonne voie...

Comentários

Edson Marques disse…
Ana,


Que bom que você gostou do meu poema Mude.
Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade.
Que, aliás, não é de Clarice Lispector.

Se puder, veja o poema todo, assim como o vídeo e o livro Mude, publicado pela Pandabooks, com prefácio de Antonio Abujamra, e à venda nas maiores livrarias. Além disso, tal poema também já foi publicado por Pedro Bial na faixa 4 do CD Filtro Solar.

Detalhes em http://Mude.blogspot.com


Para o poeta, o importante é encantar o coração do leitor. Mesmo que este suponha ter sido encantado por Clarice Lispector.

E o vídeo Mude pode ser visto aqui:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=KlP9XpjVsas

Flores e estrelas...

Onde foi que você viu que é de Clarice? Pois quero passar a informação correta também a essa pessoa, para evitar que tal erro de autoria seja ainda mais disseminado.


Gostei da tua intervenção... rs!

E o título original é "Mude".
Ana Bela Cabral disse…
Caro Edson,

Reponha-se a verdade!
O seu poema é lindo e envolveu-me.
Apreciei muito o seu comentário: «Para o poeta, o importante é encantar o coração do leitor.» Lindo.
A autoria deste poema vem atribuída a Clarice Lispector em várias dezenas de entradas na Internet, Edson (basta fazer uma simples pesquisa). Conheço bem a obra dela e, com efeito, o estilo é muito similar. :)
Visitei o seu blogue. Adorei. Identifico-me muito com o seu conceito de mudança. Aquilo em que mais acredito...
Foi um prazer dialogar consigo!

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