Lugar de Estacionamento
Ocupei o teu lugar de estacionamento.
Talvez não seja exatamente aquele, não sei bem… Mas, aquela
rua ficou sem um carro, portanto, ocupei o lugar vago.
Engraçado… Quando chego ao ponto morto, a rádio deixa de dar,
como se tu fosses a antena transmissora daquelas paragens.
Às vezes, ficou ali 5 minutos antes de sair e dou por mim a
imaginar que o asfalto já deu pela falta dos pneus do teu carro.
Ocupei o teu lugar de estacionamento.
E também tomei em mim as rédeas do teu destino. Vou dar um
sentido à tua partida, juro.
Carrego as tuas cicatrizes. Mas não se veem: camuflei-as com
as melhores técnicas de maquilhagem. Nesta altura das nossas vidas, a
maquilhagem é importante.
Ocupei o teu lugar de estacionamento e não tenho o direito
de chorar.
Como poderia?
Recordo-me de olhar o teu corpo já frágil e amputado e de me
falares da imensidão do deserto. E de sorrires. Sorrias muito.
Recordo-me que, quando aquele perverso-narcísico com quem
estiveste casada te deixou, continuavas a falar dele com uma dissimulada
admiração: «tem o dom da palavra», dizias, «consegue sempre dar-me a volta».
Estavas errada.
Na verdade, é um cata-vento e o dom da palavra é que ele não
tem. Fala e escreve com incorreções sintáticas e gramaticais. Está a anos-luz
do teu rigor e da perfeição que colocavas em tudo o que fazias.
Mas eu estou cá e tomei as rédeas do teu destino. As
cicatrizes existem porque o corpo, vivo, as sarou, fechando as feridas.
Ocupei o teu lugar de estacionamento.
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