De Costas
A primeira vez que te vi, estavas de costas.
Olhavas para um dos meus quadros – o meu preferido – com a
cabeça ligeiramente inclinada para a direita, o cabelo escorrido, em V, pernas
juntas e cruzadas. Estavas de leggings
e de túnica. Calçavas umas daquelas botinhas rasteiras com pêlo que pareciam
saídas de uma loja da Serra da Estrela. Tinhas um copo de espumante na mão
direita que seguravas descontraidamente pela parte superior.
Destoavas do conjunto. Não só pelo dress code.
Soube logo que eras tu. Tínhamos trocado algumas mensagens
pelas redes sociais e tinhas-me prometido que virias à minha próxima exposição.
Assim que me libertei de uma ronda de elogios circunstanciais, fui ter contigo
e chamei-te pelo nome. Correspondeste. Trocámos algumas palavras não
circunstanciais até ser novamente solicitado pelos muitos visitantes da
galeria. Nunca mais te larguei do olhar.
Nunca mais esqueci aquela tua imagem, de costas.
Podem passar-se vários anos, várias perspetivas, vários
ângulos…
Quando acordo, vejo-te de perfil. Ao pequeno-almoço olho-te
de frente, mergulho nos teus olhos verdes, acompanho os teus movimentos soltos,
a tua silhueta esguia na qual gosto de me perder quando fazemos amor.
- Para onde estás a olhar, Mor?
- Posso pintar-te de costas?
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