A Fã

Conto
(parte I)

 Quando me recordo daquele dia, não posso deixar de sorrir. Nunca poderei esquecer as emoções daquela manhã. Foi há 20 anos.

Aquelas viagens eram minuciosamente preparadas. Desde o plano de poupança anual, ao roteiro dos locais a visitar. Os meus pais, ambos professores universitários e hippies em outra vida, esperavam o dia da partida como uma criança espera o dia de Natal. Acreditavam que estas viagens eram a melhor herança que nos poderiam deixar, a mim a à minha irmã Sally. Não estavam errados.

Obviamente, as expetativas eram distintas para cada membro da família. O meu pai queria ver os museus e os monumentos, pela pintura e a arquitetura. Fazia-nos perguntas ao jeito de um professor primário: que estilo? Que escola? Que época?... A minha mãe queria sobretudo conhecer as livrarias, comprar livros, fotografar elementos decorativos dos hotéis, restaurante, lojas e edifícios públicos, fotografar montras e cenas culturais.

A Sally alinhava em alguns dos gostos do meu pai, em alguns dos gostos da minha mãe. Gostava também de ir às lojas e anotava num caderninho o que as estrangeiras vestiam. Eu, do alto da minha adolescência, não tinha predileções no plano destas viagens. Imbuída do meu silêncio, acompanhava. Ponto.

Aquela viagem era, contudo, diferente. Íamos ao país do meu ídolo e permiti-me uma exigência: visitar a sua vila natal. O meu pai tinha dito:

- Veremos, Allie. Os teus resultados escolares não foram brilhantes. Veremos…

A minha irmã, embora mais velha e sem grande paciência para os meus devaneios, prometeu-me apoio. A minha mãe… Neutra e tranquila… Há muito que tinha feito um pacto de silêncio com a vida.

Fui com essa esperança na mala dos meus sonhos. O resto não interessava.

Durante 4 longos dias, acompanhei as deambulações familiares sem protestos. Era suficientemente americana para saber que o que quer que eu dissesse poderia ser usado contra mim. Na pior das hipóteses, ter-me-ia sido dada a oportunidade de pisar o mesmo território soberano.

No final do quarto dia, apercebi-me que o meu pai negociava qualquer coisa com o taxista paquistanês que nos trouxe de volta para o hotel. Antes de entrarmos para os nosso quartos, o meu pai anunciou:

- Amanhã vamos a Hellington. Estejam prontas às 8.

Pendurei-me ao pescoço dele, incapaz de dizer palavra. A notícia levou-me as palavras e o sono.

Às 7h50, tínhamos um jaguar preto estacionado à porta do hotel e o motorista, taxista na véspera, estava de fato preto, gravata escura e já não parecia paquistanês. Julgo que vem daí a minha admiração pelo requinte britânico.

A viagem de quase 90 milhas pareceu-me interminável. Passei em looping os Seus principais êxitos discográfico até esgotar as pilhas do discman e chateei a minha irmã até à exaustão. Não sabia ao que ia e não alimentei grandes expetativas: estar na vila onde Ele nasceu e cresceu era suficientemente fantástico para mim.

Uma placa gigantesca anunciava a chegada: “Bem-vindos a Hellington”. E, em letras mais pequenas: “Visite a Igreja de São João Batista!”. As primeiras impressões foram as de uma pequena vila quase deserta, mas agradável à vista. Rapidamente encontrámos o posto de turismo local.

Comentários

Ana Bela Cabral disse…
Obrigada por passares sempre, Amiga! :)

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