Imprevistos (I)

Entrou no pequeno apartamento às 19 horas e logo os dois felinos se precipitaram ao seu encontro.
Como em todos os dias úteis (se é que se podia atribuir esse qualificativo aos seus dias), saiu do trabalho às 18h03 (não fosse o patrão acusá-la de sair antes da hora contratual), dirigiu-se em passo rápido para a Central de Camionagem onde chegou às 18h11, apanhou o autocarro das 18h15 e chegou ao destino às 18h50, mais coisa, menos coisa. A diferença até às 19 horas, ou seja, até ao momento da entrada no dito apartamento dos felinos, corresponde à duração do percurso entre a paragem do autocarro e a sua residência habitual. Se chegasse mais tarde, tal significava que o referido autocarro das 18h15 se tinha atrasado, ou na partida, ou no percurso.
Alda não gostava de imprevistos.
Mecanicamente, descalçou os botins, arrumou-os, alinhados, na sapateira da entrada, pendurou o Kispo cor de tijolo, calçou as pantufas, foi ao quarto pousar a mochila e dirigiu-se à cozinha onde enfiou o avental e calçou um par de luvas descartáveis.
Como todos os dias, entrou na pequena marquise entreaberta como se estivesse a entrar em campo minado, abriu as duas caixas de areia, alinhadas contra a parede da varanda, sobre um mosaico de jornais, e limpou meticulosamente a dita areia, acrescentou areia limpa, substituiu o mosaico de jornais e voltou a fechar as caixas, certificando-se da esquadria do alinhamento. Deitou fora as luvas descartáveis e calçou um novo par.
Pegou nos dois recipientes de comida vazios, lavou-os num mini-tanque branco em fibra de vidro com uma escova exclusiva para o efeito, secou-os com um pano igualmente exclusivo, foi à despensa buscar uma latinha de ração e dividiu o seu conteúdo em proporção exata pelos dois recipientes. Ao som do barulho da latinha a abrir, os dois felinos acorreram à marquise, miando desalmadamente. Não houve um só dia que assim não fosse.
Alda não gostava de imprevistos.

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