Pão Quente
Deitou-se no sofá de barriga para cima. Fixou o teto durante longos minutos, à espera que o branco lhe devolvesse uma resposta. Nada.
No silêncio da casa vazia, todos os estalidos, os rangeres e as vozes longínquas dos outros apartamentos lhe pareceram uma invasão.
Não conseguindo obliterar o sentido da audição, fechou os olhos. Acabou por adormecer.
Acordou com os primeiros vestígios da alvorada. Afinal, conseguira dormir.
Tomou um rápido duche de água fria. Vestiu a mesma roupa da véspera. Penteou-se. Enfiou a toalha de banho num saco de plástico. Pegou na mochila e no saco de plástico. Saiu. Não olhou para trás. Não olhou para as paredes com marcas de quadros, para o sofá abandonado no meio da sala, não vocalizou no intuito de produzir eco, não inspirou fundo. Saiu.
Saiu do prédio. Não olhou para trás, para a sua fachada ou para vislumbrar uma vizinha indiscreta à janela. Passou pelo contentor do bairro. Depositou lá o saco com a toalha e dirigiu-se para a estação de metro.
Já sentada na carruagem, reconstituiu as últimas horas da véspera.
O que a atormentara? De que resposta andaria à procura?
Já se esquecera.
Quando chegasse a casa da mãe, já esta teria regressado da padaria. Tomariam o pequeno-almoço juntas. O cheiro do pão quente já lhe chegava às narinas.
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