Sopa de Letras

Abeirou-se discretamente da mesa onde se encontrava um senhor bem-posto.
- Quando o senhor acabar de ler o jornal pode-mo passar, se faz favor?
- Com certeza. Mas olhe que só agora comecei.
- Sim, eu sei, eu apercebi-me. É o jornal que me falta, o Público.
- Olhe que é A Bola…
- Ah! É a bola? Bolas… A Bola… A bola, para mim, é redonda… Não tem Sopas…
- Julgo que tem Palavras Cruzadas.
- Só quero Sopas… Onde raio se terá metido o Público? Ainda há pouco estava nesta mesa…
- Não o vi, peço desculpa.
- Eu já o descubro. Obrigada.
Voltou a sentar-se à sua mesa e distribuiu olhares furtivos às outras mesas à procura do malfadado Público. Quando finalmente descobriu o item perdido numa cadeira a três mesas dela, levantou-se num ímpeto e resgatou a preciosidade, de olhar triunfante.
Com um indisfarçável sorriso de orelha a orelha, refastelou-se na cadeira e foi direta à página da sopa de letras. O seu olhar ensombrou-se. O seu rosto já enrugado pareceu ainda mais velho e a gravidade ficou a nu. Deu um murro na mesa. Alguém tinha tido a ousadia de lhe fazer a sopa.
Olhou para o vazio, abanou a cabeça, recompôs-se. Empunhou a caneta, de ar decidido, e começou a auscultar a grelha rabiscada.
Esboçou um sorriso ao qual se seguiu uma gargalhada.
- Chi! Disparates! Só disparates!...



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