Leituras e escrituras de uma filha única

[estou a ouvir “Come away with me”, Norah Jones]

Durante longos anos, a escrita – a minha escrita - foi para mim assunto tabu. Consigo precisar no tempo quando deixou de o ser e, acreditem, não foi há muito tempo.
Devoro livros desde criança. Até hoje, leio um pouco de tudo e, confesso, por vezes sem grandes critérios. Creio que este hábito me vem do facto de ser filha única e de ter sido uma criança muito tímida. Fui uma leitora muito precoce. Aos 8-9 anos já tinha lido as colecções inteiras da Enid Blyton e da Laura Ingalls Wilder (o que se lia na altura…).
Por conseguinte, também comecei a escrever cedo. Devia ter também uns 8 ou 9 anos quando a minha mãe teve de ser hospitalizada e eu fiquei em casa da minha melhor amiga, a Valérie. Por essa altura, começámos a escrever um “diário partilhado”. Um dia escrevia eu, outro dia ela. Quando regressei a Portugal, ela ficou com o dito diário. Entretanto, ela mudou de residência e eu perdi-lhe o rasto. O que eu daria para revê-la e para reler esse diário!
O meu gosto pela leitura foi um trunfo importante na minha adaptação à língua lusa. Em França, nunca tinha frequentado uma escola portuguesa e a língua dos meus pais (hoje, a minha) era-me, de certa forma, estranha. Lia tudo o que podia e rapidamente me tornei uma excelente aluna a Português. Escrevia pequenos artigos para o jornal da escola, para o jornal da Paróquia e para um jornal local. Por volta dos meus 16-17 anos, escrevi um pequeno conto a pedido de uma vizinha para um concurso da sua escola: chamava-se “A Mosca” e ganhou o primeiro prémio. Os testes psicotécnicos do 9.º ano deram Jornalismo. Cheguei a entrar em Comunicação Social, mas anulei a matrícula. O meu sentido prático fez-me optar por um caminho aparentemente mais simples…
Fui, juntamente com uma colega de curso, a Sandra Granja, chefe de redacção do jornal académico “O Grito”: esta aventura deixou-nos algumas boas histórias, daquelas que só se contam aos netos…
Mais tarde, aos 24-25, escrevi aquele que considero ser o meu primeiro conto “a sério”. Não me perguntem porquê, escrevi-o em inglês. Chama-se “Diego, The Diplomat”. Poucos o leram.
Seguir-se-ia um longo período sem escrita, em parte motivado pelo meu “mergulho” no mundo do trabalho. Ainda pensei ser Tradutora Literária, mas uma primeira experiência mal sucedida desviou-me para outros caminhos. Tornei-me Tradutora Técnica e, por conseguinte, a minha escrita é outra. À força de restituir o que outros escrevem, de tanto produzir uma “escrita orientada”, cheguei a pensar que não conseguiria voltar a criar texto.
Foi aliás com esta firme convicção que iniciei o meu Mestrado em Comunicação e Expressão. Acredito sinceramente que foi o momento de viragem. Não só porque era obrigada a produzir texto para trabalhos de seminário, como porque reencontrei o prazer de escrever quando comecei a produzir a minha Tese. Para tal, também contribuíram alguns professores, designadamente o meu Professor Orientador, com toda a sua competência (paciência) e generosidade.
Após a defesa, e apesar dos bons resultados obtidos, mergulhei num luto profundo. Um sentimento de perda, de vazio… Dava por mim a perguntar-me: “E agora? O que leio? O que escrevo?” Passaram-se uns 3 ou 4 meses sem que conseguisse pegar num livro ou escrever uma linha. Gradualmente, fui voltando aos meus velhos hábitos de leitura, criei este Blogue e recomecei a escrever.
Há alguns meses, vi-me (acidentalmente) envolvida no projecto Páginas Lentas (http://paginaslentas.blogspot.com/) do GICAV (Grupo de Intervenção Cultural e Artístico de Viseu). Sairá nas bancas no próximo dia 6 de Dezembro a primeira colectânea de textos de 19 escritores viseenses, de entre os quais um conto que escrevi precisamente durante o mestrado, o “Retratos a Sépia”.
Entretanto, tenho produzido outros contos. Uns que começo e deixo a meio. Outros que vou esculpindo, lentamente, e aos quais vou voltando para acrescentar um parágrafo, para melhorar ou corrigir uma passagem. Vou assentando ideias, memorizando religiosamente enredos… Dou por mim a pensar neles nos momentos mais caricatos do meu dia ou da minha noite. A visualizar os traços mais indeléveis das suas personagens, as suas rugas, os seus tiques…
Não sei se virei a página (será esse conceito possível em escrita?), mas encontrei a desinibição suficiente para a expor. Agora não há volta.

Uma vez que comecei com tons de Jazz, termino no mesmo sentido. Deixo-vos com a promessa Lisa Ekdahl.

Comentários

Rita disse…
Que ternura de texto.
Que ternura de amiga.
Que prazer te ler.

Tens em ti algo que eu desconhecia, mas já desconfiava: a tua relação com as letras vai muito mais longe do que eu podia imaginar!

Tenho de ler os teus contos, pleeeeeeeeease!
Ana Bela Cabral disse…
Obrigada Amiga! É bom ter o teu feedback. Em breve, enviar-te-ei o meu último conto: serás a primeira a lê-lo! Beijo!
Rita disse…
CooooooooooooooooLLL!!
Fixe, fixe!
'Tou mortinha para o ler!!

Mensagens populares deste blogue

Sim

Longe daqui

O Mundo Dela