Reflexões suspensas em torno de uma tradução e de uma entrevista a Steiner

Acabei hoje de traduzir um artigo científico sobre o peculiar tema do erro profissional.

Trata-se de um artigo de A. Leon de 1957 publicado na revista do centro francês de estudos e investigação psicotécnica (C.E.R.P.). Já nessa altura, o autor sublinhava a importância do fenómeno da generalização na génese dos erros profissionais, acreditando tratar-se de uma questão simultaneamente pedagógica e psicológica. Com base em estudos realizados, o autor demonstra que o mecanismo do erro resulta muitas vezes de um processo de generalização precipitado e de uma análise prévia insuficiente, consistindo na transposição mecânica de uma situação A para uma situação B: a aplicação de uma determinada regra, válida para um determinado exercício, é erradamente alargada a outros exercícios…

No meu ofício de professora, assisti muitas vezes a este tipo de mecanizações: nenhuma regra de gramática é universal e as excepções não são excepcionais. Não sendo entendida na matéria, julgo que o mesmo se passará com as ciências ditas exactas: basta que mudem as variáveis do problema ou que haja uma precipitação na interpretação do enunciado (a percentagem do que fica nem sempre é igual à percentagem do que se retirou). É tudo uma questão de linguagem.

A julgar pelos títulos de alguns jornais, por alguns comentários televisivos ou por algumas expressões tipicamente portuguesas (“são todos iguais”, “é tudo a mesma coisa”, “é exactamente igual”), dou por mim a concluir que, sendo a generalização um dos nossos desportos favoritos, devemos ser um dos países com maior taxa de erros profissionais…

Também hoje, li uma entrevista que George Steiner deu no passado dia 12 à Telerama francesa. Quem me conhece, sabe o quanto aprecio este pensador: leio tudo dele, sobre ele e com ele.

Esta entrevista retoma alguns dos temas centrais abordados na entrevista dada por Steiner ao n.º 100 da Revista Ler: o multilinguismo, a memorização, o silêncio, a questão da Internet e das redes sociais…

Com o título sugestivo de «L’Europe est en train de sacrifier ses jeunes» [a Europa está a sacrificar os seus jovens], uma das citações do autor, esta entrevista tenta recolher a opinião de Steiner sobre o estado actual da Europa. Apesar do seu característico optimismo, o pensador chama a atenção para alguns factos:
- A Alemanha pode vir a dominar novamente;
- A Europa sobreviveu (parcialmente) a duas Guerras Mundiais e às suas sequelas (80 milhões de mortos);
- A Europa está a sacrificar os seus jovens porque deixou de oferecer as condições para que estes acreditem em alguma coisa. Comunismo, fascismo, sionismo, pouco importa, o importante é ter algo em que acreditar e a que se agarrar.

Sobre esta questão, Steiner conclui que prefere ser errante e cita Baal Shem Tov cujo lema era “A verdade está em constante exílio”… Ou, diz ainda: «as árvores têm raízes, eu tenho pernas!». Delicioso!

Enquanto lia estas linhas, lembrei-me do “La Grande Illusion”. Não do filme do Renoir, mas do livro de Minc que li no final dos anos 80, enquanto assistia à construção do projecto europeu em Portugal. Nunca dei grande crédito à obra e ao autor (muito menos agora que o sei próximo de Sarkozy), mas veio a propósito desta história das generalizações.

Generalizar o que não é generalizável, aplicar uma mesma regra a A e a B quando as variáveis de B são diferentes, precipitações, ausência de análise prévia…

É a isto que eu chamo um dia Brainstorming… ou Remue Méninges… ou Tempestade Cerebral… Como diz Steiner, a ideia de língua materna é [demasiado] nacionalista e romântica.

Comentários

Muito boa reflexão Ana. Sugeria que também o pudesses partilhar no Blogue de Política dos Novos Horizontes aonde também costumas publicar. Fica a sugestão.
Ana Bela Cabral disse…
Obrigada pela visita e pela sugestão, Xano. Já não seria um texto inédito, mas... se os editores não tiverem nada contra... ;)
Beijo

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