Ontem à noite
Acordei cinco minutos antes do despertador. Transpirada,
pesada.
Demorei alguns segundos a orientar-me no tempo e no espaço.
Estico o braço até alcançar o telemóvel e desativo o
despertador.
O meu braço pesa toneladas.
Fico por momentos paralisada na cama, com a lembrança do
ontem à noite.
Tinha ido para a cama a chorar lágrimas e ranho (não tenho
por hábito babar). Chorei até adormecer de cansaço.
Levanto-me finalmente e arrasto-me até à casa de banho. O
reflexo que o espelho me devolve é surpreendentemente aceitável. Se não fossem
as pálpebras a picarem-me por dentro, nada deixaria supor o meu ontem à noite.
Tiro o elástico do cabelo que tinha prendido ontem num
carrapito. De ter dormido sobre a rodilha, o cabelo está agora ondulado e
volumoso. “Giro”, penso.
Ponho a touca de banho, tomo um duche rápido, visto um top
preto e umas calças largas, estilo indiano. Calço as minhas Jeffrey Campbell,
ponho creme na cara e um pouco de gloss.
Vou à cozinha comer um iogurte e estou pronta para sair.
Entro no elevador e, uma vez mais, espanto-me com o lavor do
espelho. Sempre gostei de espelhos de elevadores: são ligeiramente fumados e
têm o dom de refletir sem falhas, rugas, manchas, borbulhas, olheiras, papos…
No percurso até ao Metro, tenho a sensação de que olham para
mim. Terei o sutiã a aparecer? Terei as calças sujas ou rasgadas?
Não. Escudada atrás dos meus óculos de sol XXL, concluo que
é para mim que olham, para o meu rosto ou para o meu cabelo, não sei. Os
olhares são de aprovação. Sorrio e acelero o passo. Entro no Metro.
“Logo à noite prendo o cabelo num carrapito”, penso.
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;)