O Espelho do Eu

O filósofo espanhol George Santayana explicava que não nos deveríamos importar com o que os outros pensam de nós, mas que – quando efetivamente sabemos o que os outros pensam de nós - isso marca profundamente aquilo que pensamos de nós mesmos.
Ao chegar aos 40, a meta que simbolicamente marca a passagem para a outra metade, seria suposto deixarmos de nos preocupar com uma série de coisas.
Por exemplo, deveríamos encarar com alguma leveza a passagem efémera de outros caminhantes pela nossa vida. A equação é de primeiro grau: as pessoas entram nas nossas vidas, interagem connosco e saem. Qual é então a variável?
Se é um fluxo natural, porque motivo essas pessoas vão então deixando a sua marca no conceito que tenho de mim?
Por que razão tenho esta tendência auto-punidora de achar que fiz alguma coisa de errado?
Não seria mais fácil revestir-me da sageza do nada-acontece-por-acaso?
Pois é... Tanta filosofia que faz sentido mas que não consigo aplicar em mim!
Lembro-me que, quando estudava o aparelho fonador para as aulas de canto, aprendi que a perceção que nós temos da nossa voz não é a mesma que os outros têm (o som que nos chega da nossa voz passa por outros filtros e ressonâncias...). Contudo, posso gravar a minha fonação, ouvir e ter assim a mesma perceção dos outros.
Por mais consistente que seja a personagem de mim filmada e refletida, por exemplo, nunca terei acesso à mesma informação dos outros. Os outros tiveram acesso a uma ínfima fração de mim. Podem ter calçado os meus sapatos, mas apenas por uma temporada. Podem ter a pretensão de me conhecer bem, mas apenas conhecem um dos meus papéis.
Acredito que só se chega ao conhecimento pleno de outra pessoa quando se entra em sincronia, ou seja, quando se ama genuinamente.
Feita esta análise, não faz então qualquer sentido que esses passageiros errantes deixem adjetivos na nossa descrição, e muito menos que os assumamos.
Como também não faz sentido que choremos a sua partida. Se saíram é porque não tinham de ficar; não tinham mais nada para nos ensinar.
Afinal, nada acontece por acaso, certo?


Comentários

Rita disse…
Partilho do teu lema, minha amiga!

Por vezes sinto-me só, porém acreditando que este estado é uma necessidade para apreciar melhor pequenos momentos que nos completam por horas! Foi o que me deste, no passado dia 21!
Anónimo disse…
Obrigada, Rita!
Nos maus momentos (e, ultimamente, tenho somado alguns...), procuro agarrar-me ao que há de bom. A tua amizade é um desses lados bons.
E, sim, concordo contigo: a solidão é por vezes necessária.
O título deste texto mais não é do que uma tímida alusão ao dia 21.
Love you!

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