Corte final
Conheci-te num congresso médico.
Ficámos sentados lado a lado durante o almoço. Perguntaste-me
em que hospital trabalhava. Respondi-te que era um daqueles seres confinados à
cabina de tradução. Aproveitaste a deixa para reforçar que tinhas uma secreta
admiração por tradutores. Tinhas traduzido um livro sobre neurociência a meias
com a tua mãe. Sabias das dificuldades do ofício e da falta de reconhecimento;
não tinhas sido pago pelo serviço, apenas receberas o direito de ver o teu nome
estampado na contracapa e alguns exemplares de oferta.
Não me recordo bem como, mas a conversa levou-nos a Hölderlin,
o brilhante filósofo-tradutor que morreu enlouquecido. Eras psiquiatra. Admirei-te
de imediato.
Eras de uma simplicidade desarmante.
Ao longo dos anos, fui conhecendo o teu lado ativista, o teu
lado amante dos animais e da natureza, o teu lado amante da música clássica, dos
Pink Floyd e do Bowie, o teu lado fora da lei, o teu lado amigo do seu amigo, o
teu lado generoso, missionário...
Nada do que eu diga te fará justiça. Nada.
Por ti, abro uma exceção neste espaço e dou lugar a uma voz
masculina, uma mente inquieta, como tu, naquele que foi o seu final cut.
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