Pretérito Imperfeito
Começo a dar-me conta dos estragos.
No epicentro da quarentena, armei-me em forte, ocupei os neurónios ao máximo e não me apercebi do mal que me infligia.
Começo agora a tomar consciência de algumas sequelas.
Com a pandemia, tive de abdicar de duas das atividades de que mais gostava. Ambas tinham alguns pontos em comum que, hoje, constituem perdas. Essas duas atividades tinham o benefício de me conseguir desconectar do mundo empresarial e de todos os problemas a este associados. Eram, também, atividades com uma forte componente relacional (embora em mundos bem distintos) que me garantiam a quota de “vida social” necessária a uma sã sobrevivência.
Nos primeiros tempos, desdramatizei essas perdas, tentando agarrar-me aos aspetos positivos: o tempo e o dinheiro libertados, as viagens (com o desgaste associado) que deixaram de se fazer, etc., etc..
Hoje, alguns meses volvidos, ficam bem visíveis as perdas...
O outro estrago tem a ver com a tal ocupação excessiva de neurónios. O ser humano (ou serei só eu?) teme o vazio quase tanto quanto a pandemia.
Teria sido mais sensato aproveitar o interregno para descansar (e o descanso teria sido justíssimo!), para apaziguar, para ler, ver filmes, fazer longas caminhadas, dormir sestas, redecorar/reorganizar a casa, ter longas conversas com amigos (nem que fosse pelo telefone)... e a lista poderia continuar.
Mas não. O medo do vazio. O medo do fracasso. O medo da inação. O medo do fundo do poço.
Em vez disso, impus-me um horário de trabalho dantesco, fiz curso após curso, inventei tarefas, criei serviços... não parei.
E cá estou eu. Exausta. Depressiva. Irascível.
Posso ter “dado a volta”, pelo menos, por enquanto, até a incerteza ou uma qualquer outra crise, sanitária ou financeira, voltar. Mas estou exausta, depressiva e irascível.
E perdi. Todos perdemos, é certo.
E as perdas implicam um luto. E o luto é um processo. E um processo dá trabalho.
E eu estou cansada.
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