Entremets

 

Não houve mais nada a seguir, nem seria necessário.

Se já experimentaram a sensação de terem uma sala de cinema só para vós, imaginem terem um restaurante para gaudio privado.

Entra-se e é-se logo abraçado pela sobriedade decorativa e pelo atendimento made in escola suíça, braço atrás das costas. Rapidamente percebemos que seríamos um misto de únicos clientes da noite e cobaias gustativas. Provavelmente, lemos bem e fomos bem lidos. 

Entrada, prato de peixe, prato de carne, sobremesa 1 e sobremesa 2.

O prato minimalista é pousado na mesa e acompanhado de um contexto. Um meio-caminho entre nouvelle cuisine e festim para todos os sentidos.

Como sempre, fiquei do teu lado direito com acesso visual privilegiado à cozinha envidraçada. Quando o chefe de sala terminava a sua explicação e se retirava, Samuel fixava-se em nós e perscrutava cirurgicamente todas as nossas reações. Creio que também nos lia os lábios.

Entregámo-nos sem rede àquela dupla e até o nosso vinho alentejano foi trocado por um tinto com nome de espumante.

Quando terminámos o prato de carne, aceitar uma sobremesa seria mera cortesia. Mas o plano já estava traçado e anunciaram-nos que seríamos os primeiros a degustar uma sobremesa de nome francês que acabara de dar entrada na Carte. 

Desta vez, o Samuel saiu da toca dos sabores e veio pessoalmente explicar-nos as camadas de diferentes texturas e contrastes.  

E vem a segunda, de igual nome. Entremet, mas, desta feita, com queijo da ilha. Explicação poética para degustação extática. 

Perguntámos a idade do Chefe. 22 anos.

De onde lhe vêm as ideias, perguntámos. Da curiosidade, percebemos.

E o Samuel volta para a toca e continua a sua leitura através do vidro, como quem aguarda pelo resultado de uma ecografia, porque o parto será mais tarde.

Não foi um entremeio porque nada houve a seguir. 

Para o Samuel, é uma entrada a pés juntos no meu pódio pessoal dos que criam com paixão.







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