Frutas e Bestas

Gostavas de sair pela madrugada, com os primeiros. Desde que fosse para as ruas de uma capital, de uma metrópole. Corria-te nas veias tudo o que começa por “metro-“.
Indistinta na multidão era como gostavas de te sentir. Gostavas que outros te procurassem e não te encontrassem logo, até ao desespero de um telefonema (- Onde estás? Não te vejo. De que lado da rua estás? Perto de quê? [pergunta de retórica: tu nunca estavas perto de nada]). O que não sabias era que alguns outros – não creio ter sido o único – há muito te tinham identificado e apenas queriam prolongar este momento ímpar de ti à distância.
Conversar contigo era mergulhar num quebra-cabeças. Era encontrar não um sentido, mas possíveis explicações. Ter a certeza de ser ouvido e aproveitado.
Andavas à procura de respostas. Não muitas: duas.
1. Por que motivo uma fruta que ontem te parecia suculenta, te parece hoje mirrada e amarga?
2. Por que motivo se passa tão rapidamente de bestial a besta?
Gostavas de explicar que, embora pareçam semelhantes, estes dois questionamentos encontram possíveis respostas – que ainda não encontraste – em planos distintos: o primeiro, provavelmente no campo da estética, o segundo, talvez, no campo da ética.
Eu, adorava as tuas metáforas.
Tu, adoravas a palavra “expectativas” que usavas amiúde.
De facto, na tua boca tudo me soava diferente, claro e intemporal.
Agora, morreste (como foste capaz, porra?!) e eu terei de dar continuidade à tua busca, à das frutas azedas e das bestas.

Comentários

Rita disse…
Pois...não há nada melhor do que "fruta em calda"! Por muito que passe o tempo, nunca azeda, nunca mirra, nunca muda de sítio, se nós não quisermos.
Bj e bom ano 2011!
Ana Bela Cabral disse…
Gostei do teu comentário, Rita, sobretudo do que este carrega nas entrelinhas...
Um bom ano de 2011 para ti também!
Beijo
Rita disse…
As "entrelinhas", é isso mesmo! E eu que sou tão má a "rematar" costuras, deixando as linhas meio soltas...
Ana Bela Cabral disse…
He-he!
Adoro as tuas metáforas! ;)

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