Consultas II

- O que é que escreves nesse caderno?
- Tiro notas.
- Notas… Aquilo que eu digo ou as tuas impressões sobre o que vou dizendo?
- As duas coisas.
- Digamos que é a minha “biografia não autorizada”… Quando publicares avisa para eu me pôr a milhas! [risos]
- Vejo que não perdeste o sentido de humor.
- Sabes, o meu sentido de humor é proporcional ao meu estado depressivo…
- Queres explicar?
- Não sei o termo certo. Ando lamechas.
- “Lamechas” como?
- Choro por tudo e por nada. Ponho-me a ouvir música fatela; aqueles ersatz de Whitney Houston que tanto critico. Ponho-me a remexer nas coisas que ele me deu. Até nesse ponto estou em desvantagem…
- Como assim?
- Eu só lhe oferecia “consumíveis”, coisas que não deixassem rastos… Inconscientemente, acho que estava a protegê-lo. Ele, oferecia-me objectos, coisas que perduram e das quais não me consigo livrar. Partilhei os meus sítios com ele. Só agora me apercebo que o contrário não aconteceu o que faz de mim uma condenada às memórias…
- Tens dormido melhor?
- Vou dormindo umas 3 a 4 horas intermitentes por noite. Intermitentes e extenuantes. Sonho imenso, mas não me lembro do que sonho. Acordo esgotada como se tivesse andado a descavar videiras ou desgrenhada como se tivesse acabado de sair de um conto da Clarice Lispector.
- Tudo o que me relatas pode não corresponder forçosamente a um estado depressivo.
- Pois. Prefiro acreditar na teoria da viagem. Hei-de regressar um dia. Hei-de aterrar: [a cantar] «Gravity can’t forget to pull me back to the ground again».

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Sim

Longe daqui

O Mundo Dela