Sobre Esquecimento e Perdão
Do último livro de Tolentino Mendonça poderia destacar
várias passagens. Os seus escritos interpelam-me sempre de forma avassaladora.
Gosto da nudez, da humildade, das referências literárias e cinematográficas que
me levam mais longe.
Contudo, é sobre esta citação do autor que eu gostaria de
refletir hoje: “O gesto de esquecer e de deixar para trás também é uma decisão
espiritual necessária. Há um passado que condena e, se não nos distanciarmos
dele, se não dermos o salto que a fé nos pede, não seremos capazes de
recomeçar.”
Independentemente do teor do que temos ou queremos esquecer,
concordo que seja uma decisão espiritual útil. Espiritual porque deve partir de
nosso âmago, sem intromissões, sob pena de se transformar em mais uma tentativa
frustrada. Necessária porque se impõe uma depuração, uma higiene emocional que,
se não for feita amiúde, nos polui e embarga a existência.
O passado deve ser aquele filme a preto e branco que apenas revisitamos
para lembrar mensagens do que não devemos fazer. Tem o seu encanto, mas não
passa ou não deveria passar disso. O hoje tem cores. O hoje molda-se ao que nos
tornamos, num contexto dinâmico e evolutivo.
A fé – religiosa ou simplesmente de esperança – está,
portanto, na origem dos recomeços, dos novos episódios, dos novos finais
felizes. Contudo, não raras vezes, perdemos a fé no próprio esquecimento. “Nunca
vou esquecer!” “Não sou capaz de esquecer.” Julgo que está na hora de
atribuirmos ao esquecimento um sentido menos extremista e definitivo.
Mais adiante, José Tolentino Mendonça diz: “Perdoar é crer
na possibilidade de transformação.” A transformação dos outros e a nossa
própria transformação; acreditarmos que temos a capacidade de virar uma página
e de prosseguir a escrita visando um novo final. No fundo, de transformar, de
recomeçar.
Atrevo-me então a sugerir que “esquecimento” e “perdão”
sejam elevados à categoria de sinónimos. Que ao ato de esquecer seja atribuído
um sentido menos passivo, mas também menos perentório. E que ao ato de perdoar
seja atribuído um sentido menos moral, menos redentor.
Afinal, não é possível esquecer sem perdoar, tal como não é
possível perdoar sem esquecer, certo?
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