A Leitura e a Veleidade da Escrita

Queria escrever um texto sobre a minha vontade de escrever, sobre o sentido da minha escrita, mas, em vez disso, sou transportada para um gosto maior, um gosto primeiro e primário: o da leitura.
Lembro-me de ter aprendido a ler rapidamente, pelo prazer da autonomia e da descoberta; lembro-me até de exibir os meus dotes de leitora, muito pequena. Filha única, os livros ocupavam o vazio da irmandade inexistente, das longas ausências dos meus pais, em trabalho, da solidão.
Depois dos livros infantis, veio a coleção “Uma Casa na Pradaria” de Laura Ingalls Wilder, que devorei; mais, tarde, vi a série na TV e orgulhava-me de já saber o que se iria passar, ao pormenor. Sempre gostei mais de livros do que de filmes...
Foi também a leitura que me levou à paixão pela língua portuguesa (que, embora sendo a minha língua materna, se se entender por “materna” a que se ouve na barriga da mãe, não é a minha língua primeira). Lembro-me de passar um verão inteiro a dissecar Os Maias a golpes de dicionário, e de ficar deleitada com a obra de Eça. Penso que terá sido nesse verão que nasceu a minha decisão de me tornar Tradutora. Tinha 15 anos.
Na escola e, mais tarde, nas faculdades pelas quais passei, adorava a biblioteca e nenhum calhamaço me assustava ou me desviava da rota. Nos meus primeiros anos de Assistente-Estagiária, atribuíram-me uma sala de leitura na biblioteca, por falta de salas; fiquei eufórica: que melhor sítio para iniciar a minha carreira docente?! O cheiro dos livros, a diversidade, o silêncio!...
Sei que, hoje, se lê pouco e, para não correr o risco de perder o meu leitor (a palavra parece-me aqui uma heresia), vou fazer uma prolepse e poupá-lo de uma longa história.
No fundo, nesta minha vida solitária, a leitura continua a servir os mesmos propósitos de sempre e a preencher-me com satisfação. A preencher as minhas horas e os meus espaços, físicos e mentais. A assegurar a minha sanidade mental (não, não estou a exagerar), a educar-me, a apurar os meus gostos.
Há, contudo, uma proporção inquietante (ou, se calhar, nem isso): quanto mais leio, mais tomo consciência da minha impossibilitada como escritora.
Quem me mandou ter essa veleidade?



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