O Que Nunca Quis Escrever

 Sempre me achei o máximo.

Sempre me considerei atraente, inteligente e bem-sucedido.

Durante muito tempo, tive um emprego de sonho, isto é, fazia pouco, tinha estatuto e ganhava bem.

Também tive um casamento invejável, uns putos giros nos quadros de excelência, viajei às Maldivas e fui ao Dubai.

De um dia para o outro (pelo menos, assim me pareceu), os miúdos ficaram grandes e já não queriam andar às minhas cavalitas, a minha mulher conheceu alguém ainda melhor do que eu e as minhas funções na empresa passaram a ser realizadas por um algoritmo.


De um dia para o outro.


De um dia para o outro, tornei-me amargo e perito em elaborar teorias da conspiração. Teorias da conspiração contra este ser fantástico e inigualável que eu era.

De um dia para o outro, fiquei sem amigos e os meus filhos passaram a inventar elaboradas desculpas para contornar os “fins-de-semana do papá”.

De um dia para o outro, passei a ir mais vezes a casa dos meus pais, as únicas pessoas à face da terra que continuaram a ter a paciência de ouvir os meus impropérios contra a humanidade.


Achava-me o máximo.


Achava-me um exemplo social, um alvo de inveja e admiração.

Achava-me. Verbo pronominal reflexivo cuja a ação recai sobre o próprio sujeito... apenas. 

Achava-me. Mais ninguém achava. Ou achavam enquanto foi necessário ou lhes fui útil.


Mas, afinal, não sou nem atraente, nem inteligente e, muito menos, bem-sucedido.

Estou com 15 quilos acima do meu peso ideal, duplo queixo e a precisar de recorrer às modernas técnicas de implante capilar.

Se eu fosse, de facto, inteligente, não estaria na situação em que me encontro hoje e não estaria a escrever este testemunho.

Não sou bem-sucedido. Sou um crápula, um chico-esperto, um mete-nojo.


Não sou o máximo. Sou o mínimo.






Comentários

Mensagens populares deste blogue

Sim

Longe daqui

O Mundo Dela