Quinto encontro com o escritor
- No seu último romance, a
personagem Hilário refere-se à desilusão da inconsistência. Já foi desiludido?
- Há uma espécie de contradição,
de não sentido nesse conceito… Mas as pessoas gostam de etiquetas.
- Como assim?
- Veja: acha mesmo que se pode falar
de desilusão? Não é a inconsistência uma característica genuinamente humana?
- Talvez…
- Todos esperamos do outro que
seja consistente, que esse outro proclame um valor e o ponha em prática. É
sabido dos manuais de desenvolvimento pessoal que a consistência traz
progresso, evolução… Praticamo-la? Até podemos pensar que sim, mas somos
facilmente desviados dos nossos intentos.
- Não temos, portanto,
legitimidade para nos desiludirmos com as inconsistências dos outros, é isso?
- Até certo ponto, sim. Se o
outro proclama ser desapegado de bens materiais, mas faz apanágio do seu
estatuto e pede um aumento de salário, se diz ser humilde e passa a vida a
vangloriar-se dos seus feitos e sucessos, é natural que sintamos a desilusão
instalar-se. Nem todos os monges vendem o seu Ferrari…
- Bem visto… [sorrindo]
- Mas a desilusão só acontecerá
se estiverem reunidas duas condições: se o outro contar para nós (relativamente
aos restantes, deixámos já de ter expetativas) e se esse outro for consistente
na sua inconsistência, isto é, se for inconsistente repetidas vezes. Está a ver
a contradição?
- Disse “até certo ponto”…
- Sim. Na verdade, teremos nós o
direito de julgar a inconsistência dos outros?
- A desilusão é um julgamento?
- Talvez não seja por ser um
sentimento íntimo, muitas vezes difícil de explicar… Só passa a ser um
julgamento quando cai no domínio público, quando a comentamos com alguém, por
exemplo. Mas, não temos também nós as nossas inconsistências?
- Certamente… Talvez a desilusão
nos faça pensar nas nossas próprias inconsistências. Há forma de impedir que a desilusão
se instale?
- Não.
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