Ressignificação

Quando resolvi sair da tua vida, tive de me reinventar.
Deixei de tomar café para não te encontrar nos sítios dos costume. Depois de alguns dias de enxaqueca, o corte na cafeína até foi benéfico: sentia-me mais calma e com mais vontade de dormir.
Limitei ao máximo as minhas idas à cidade. E, quando já não podia adiar mais os depósitos bancários, lá ia resignada, inventando novos percursos e locais de estacionamento. Adaptei-me à vida circunscrita ao bairro, aos vizinhos que cruzam os nossos horários, ao mini-mercado que nunca tem exatamente o que queremos mas tem o que serve.
Preenchi a minha vida extra-profissional (a que, entretanto, parecia sobrar) de pequenos acontecimentos que apenas enchiam a agenda: ginásio, musculação, dança, rotina de vídeos cheios de estratégias nutricionais e vivenciais, saídas com amigas que, entretanto, reapareceram, tentativas de leituras, tentativas cinematográficas, tentativas de recheio...
Inventava-te mil e dois defeitos para justificar a minha fuga, seguia todos os teus passos na Rede sem manifestar a minha anuência, gosto ou entusiasmo. Não fosses tu pensar que eu ainda me interessava por ti.
Eu, do meu lado, fazia o que tanto critico: pintava quadros. Quadros de realização e de felicidade inexistentes.
Convenci-me que conseguiria viver sem ti. Aliás, convenci-me que conseguiria viver ser ti e sem qualquer outra pessoa, sobretudo homem.
Algumas decisões foram boas (como a do café e a adoção do sutiã de alças). Contudo, apesar dos esforços e das pequenas-muitas atividades ilusórias, o vazio instalou-se e o espelho devolveu-me um reflexo ao qual eu não sorria.
Afinal, o que preenche o meu mundo é simples e resume-se a ti, ao teu mundo no meu, à tua presença, mesmo que esporádica, à tua voz e ao teu cheiro.
Porque as ressignificações nem sempre funcionam.

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