Diário de uma solteirona de férias | Dias 8 e 9

Dia 8 

O Dia começou calmo. Tomei o pequeno-almoço, meditei e dei um jeito à casa.

Quando estava a regressar à minha cidade, liguei ao J. Fazia anos e quis ouvir a voz dele. Temos trocado mensagens desde que ele saiu da empresa, em abril, mas, que caramba, trabalhou comigo 11 anos, merece uma chamada telefónica. Gostei. Achei-o com uma voz alegre e firme. Ou será, simplesmente, voz de aniversariante?


Entretanto, começou a chover torrencialmente. Pensei para os meus botões: “é só eu voltar para esta terra e volta o mau tempo…”


Passei em casa, estive um pouco com a minha filha matei saudades dos gatos.


Lá fui para o meu jantar surpresa. Esperavam-me duas e não foram boas…

Depois de tantos dias de silêncio, começo a ter uma nova crise… Mais leve do que a anterior, mas uma crise. Senti-a chegar. Mas que raio! Apenas comi carne grelhada e salada! Nem toquei nas sobremesas. O que a terá despoletado?…

Penso nisto quando recebo uma mensagem, por volta da uma da manhã, preparava-me para regressar a casa. O N.. “Tenho novamente uma má notícia para te dar…”. Há 15 dias, tinha-me ligado para me dizer da morte da filha do L. e da C.. 25 anos… “O L. morreu.” Ligo-lhe. Morreu como? Tem 50 nos! Porquê? O que aconteceu? Tudo muito rápido. Vírus, pneumonia, AVC, morte… Naquele momento, sou um monte de destroços; com dores, físicas e emocionais, não contenho as lágrimas… O N. chora também; era amigo de infância dele…

Os destroços não escrevem. Ontem, não consegui escrever…


Dia 9


Hoje, ao 9.º dia, continuo com dores. Ainda não comi praticamente nada e já tomei um comprimido. Há pouco pesei-me. Perdi mais 1 quilo, ou seja, 6 ao todo desde finais de março… Não cumpri o objetivo de recuperar alguma coisa, mas cumpro, aqui e agora, o objetivo de finalizar este diário.


Foram férias de emergência. Estava no meu limite e senti que tinha de parar urgentemente sob pena de ruir.

Decidi as datas naquele domingo, depois da cena da esplanada. Os dias que se seguiram e a leitura repetida de 7 páginas confirmaram o diagnóstico de desequilíbrio emocional. tinha de agir com urgência e voltar a mim.

Apesar de tudo, ainda bem que o fiz.

Nunca tinha estado tantos dias consecutivos de férias, sozinha e longe de tudo. Foi uma terapia de choque e resultou. Para grandes males, grandes remédios.

A única pessoa a quem eu poderia eventualmente ceder, apoiou-me: “Vai, mãe, fazes bem!”. Fui.


À exceção do dia de ontem, pelos motivos que relatei acima, cumpri a promessa do diário. Mesmo que algumas vezes me tenha questionado (“Não acredito que estou a escrever isto…”), tenho de admitir que me fez muito bem. Levou-me ao questionamento pessoal, à reflexão, à meditação. Levou-me também à valorização do que de bom tenho: os amigos espalhados por todo o lado (embora eu tivesse viajado sozinha, não houve um dia que eu tivesse passado totalmente só), a curiosidade e o entusiasmo da descoberta, a autonomia financeira que me permitiu viajar e usufruir de tudo, ao máximo. Deu-me a oportunidade de revisitar a minha própria escrita e de reatar com o prazer de escrever.

Estas férias também me permitiram quebrar alguns mitos pessoais: o de que não gosto de conduzir em nacionais ou durante muito tempo sozinha, o de que preciso de estar constantemente acompanhada para estar bem, o de que não tenho amigos… 


Foi uma loucura? Sim, sobretudo na minha condição atual: num pico da minha doença crónica, com duas empresas em plena restruturação, agenda cheia, um recente luto emocional… Mas foi uma loucura necessária e deixou coisas boas.

Quando estava a negociar esta loucura com a minha psicóloga, ela pediu-me duas coisas. Uma delas é este diário que hoje encerro. A segunda foi para fazer, no meu último dia de férias, o exercício que passo a descrever e que fiz há pouco: “escolha uma cena dolorosa para si, revisite-a e anote o que sente”. Embora tenha havido bastantes “cenas dolorosas” nos últimos tempos, escolhi a última, a cena da esplanada, os sorrisos, a aparente felicidade… Naquele dia, tudo isto foi mortífero para mim e quase me levou à loucura. Hoje, ao revisitar a cena, já não senti tanta tristeza. Afinal, que direito tenho eu de ficar triste? Nenhum. Cabe a cada um de nós dar seguimento à vida e virar páginas o melhor que sabe e que pode. Descobri nestas férias que também eu tenho essa capacidade. 

Amanhã, regresso aos meus tumultos. Tenho uma semana indescritível… Reuniões consecutivas, um congresso a meio da semana no Porto, um novo projeto que vai exigir imenso de mim, duas consultas (uma delas, logo na segunda, com a S. para restituição e balanço). Não sei o que direi dentro de um mês, mas, pese embora a crise de ontem, quero acreditar que estou preparada.


No dia que ainda me resta, descanso e recordo o sorriso e a bonomia do L.




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